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Friday, October 31, 2014

o milk shake, o menininho e a sociedade

Tomávamos milk shake de Ovomaltine por volta das seis e meia da tarde no Bob’s da praça Saens Peña, sentados no banco com estofado vermelho e confortável, quando surgiu um menininho de seus dez anos ou menos.

Baixinho, magro, cabelos pretos, olhar meio triste de quem deveria estar brincando ou descansando em casa àquela hora, num lugar confortável que toda criança merece.

Vendia drops Hall’s.

Perguntei o preço. Dois reais cada. Falei que estava caro.

Comprei cinco.

“Caramba, moço, você me ajudou muito.”

“Valeu, garoto. Um abraço.”

Ele sorriu. Estava feliz. Os dez reais que conseguiu podem ter significado a janta. A diferença entre a fome e a saciedade.

O menino nem tinha ideia dos problemas que passo, das minhas dívidas, de tudo. E foi muito melhor assim. 

Ele pode ter se iludido com a impressão de que eu fosse um rico de pequena generosidade e isso basta. 

Melhor do que ler barbaridades defendidas por alguns ricos, como aquela de pena de morte para o garoto amarrado no poste – ontem, os justiceiros foram presos no Flamengo: eram traficantes armados de classe média alta.

Terminamos o milk shake no caminho, apressados para o compromisso pessoal.

Um menino brasileiro, sofrido, trabalhador, vibrando porque conseguiu vender dez reais em balas.

Um retrato espalhado pelo Brasil inteiro, esse mesmo que ainda tem mazelas demais e as lutas para distribuir renda. Dizem ser o Bolsa Família um programa de vagabundos, mas cerca de 70% de seus beneficiados trabalham – apenas não conseguem ter a renda mínima para sobrevivência.

Enquanto isso, o Brasil restitui aos contribuintes cerca de R$ 14 bilhões neste 2014. Não tive notícias de que qualquer restituído tivesse sido acusado de vagabundagem.

Eu continuo pensando na pequena grande alegria que dei ao menino ajudando-o.

Queria ter mil ou dois mil reais sobrando para lhe dar.

Não tenho. Sou pobre.

Eu já fui um menino que contava moedas, mas para comprar botões para brincar.

Sempre serei grato a meus pais que, mesmo sob dificuldades, fizeram tudo para que eu chegasse até aqui.

Choro.

@pauloandel

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