Era um começo de noite qualquer em Copacabana. Minha amada mãe me puxava pela mão, tínhamos acabado de assistir a algum filme no Metro (com seu ar-condicionado poderosíssimo – o letreiro e as luzes, depois descobri, tinham algo de Nova York). Íamos tomar um táxi quando uma velhinha, bem velhinha e sua neta ao lado pediam alguma esmola. Num súbito, minha mãe tirou o dinheiro, deu, foi agradecida e imediatamente começou a chorar – quando veio morar no Rio, tentando ajudar a pobreza dos pais que nunca mais veria, ela chegou a morar nas ruas, daí a comoção. Falo de 1975, 38 anos portanto. Depois daquele dia, nossa família teve uma enorme derrocada financeira, melhorou, piorou, depois eu fiquei sem família para sempre por aqui.
Desde aquele dia no cinema, eu aprendi o quão duro pode ser a vida de quem não tem nada num mundo cheio de coisas. E nunca mais deixei de dar esmolas quando tive condição, mesmo com o coração partido porque sei que não estou resolvendo um problema, mas apenas atendendo numa emergência.
E nunca mais deixei de chorar por isso.
Falar de mendigos e de suas dores é algo recorrente quando escrevo. É algo que sinto desde sempre.
Uma das coisas que me fez ficar completamente afastado de determinadas crenças religiosas é porque eu nunca via em suas lideranças a real intenção de tocar nesse espinho: ajudar miseráveis de verdade. Há quem diga até que eles já são “condenados” a viver assim, como se a vida e a outra vida fossem vínculos de uma conta corrente. Algo extremamente humano em termos de mediocridade que sirva para entender o mundo e o que tem depois dele, se tiver.
Dentro de alguns dias, completarei 21 anos de trabalho ininterrupto em meu emprego atual. Depois, quem sabe, contrariando paradigmas, 45 anos de idade – eu achava que não chegaria aos 30. A cena do cinema vai fazer 40 anos e eu continuo não aceitando esse mundo injusto, deturpado, hipócrita e corroído que aí está.
Sim, há vários mundos, várias geografias e formas, mas nada me tira da cabeça que, se o ser humano fosse realmente voltado em seu bojo para o bem do outro, muitas das dores que vemos pelas ruas deste mesmo mundo seriam varridas. Isso tem a ver com economia, sociedade e cultura, mas para muitos o melhor é lavar as mãos, dar um bom “foda-se” e partir com felicidade para o shopping center mais próximo - onde se possa gastar os tubos com porcarias absolutamente inúteis.
Perder a noção de preocupação com o próximo e a tristeza em ver pessoas chorando, sofrendo, catando lixo, mordendo restos é algo que chega às vísceras da desumanidade.
Felizmente, depois de tantos anos, não me deixei contaminar pela frieza do capitalismo e suas teses de que só os fortes sobrevivem.
Sem minha linda e amada mãe aqui, eu não passo de um sobrevivente. Então, enquanto ainda houver sol, vamos escrever, ler, pensar, amar, sofrer e tentar entender o que não se compreende.
Nunca aceitarei a pobreza, a exploração, a escravidão explícita ou enrustida do homem pelo homem, seja ela qual for.
Nunca.
"É pelos palcos que vivo."
@pauloandel
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