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Thursday, July 12, 2012

Cotidiano/ A poesia



COTIDIANO

Quando ouvi há pouco Johnny Hartman cantando “It Never Entered My Mind” num vídeo do Youtube, tive vontade de chorar. A canção bela, doce, sofisticada, imediatamente me soou como perda do que não aconteceu, meu amor que morreu sem florescer, o vazio de quando se está sozinho no mundo mesmo que a cada dia uma bela mulher diferente divida seu colchão. Mas talvez não tenha sido só por isso. “A cada hora que passa, envelhecemos dez semanas”, ensinou Renato Russo. O tempo nunca será o suficiente para vivermos tudo o que gostaríamos. O dinheiro nunca será o suficiente. Os problemas estarão sempre presentes e serão mais implacáveis do que qualquer grande alegria. Horas antes, lembrei de que hoje seria o dia de mais um dia comum: ligar a televisão, assistir os grandes congestionamentos da cidade, a dificuldade das pessoas em chegarem ao trabalho. Um crime, um assassinato, a violência tão pútrida, imbecilizada e solta feito fera a troco de nada. As pessoas chorando e sentido dores na porta de um hospital onde não serão atendidas, onde não há vagas e onde alguém morrerá por alguma ação de descaso. Turistas roubados, ossadas nunca encontradas, crianças roubadas na maternidade. Crimes impunes. A patética verborragia barata de um senador a minutos de sua morte política. A cidade não dorme e, enquanto desfila sua beleza em generosos decotes da Mata Atlântica ou do Atlântico Sul, muitos fazem do viver a rotina, o cotidiano entre desmaiar de sono, recobrar-se em pleno caos e viver sem muito sentido, onde cada pequeno divertimento é a réstia das poucas horas. Untando o tabuleiro, tome ingratidão, indiferença, injustiça e falsidade. Ontem, testemunhei um pouco disso tudo contra mim mesmo, o que fez lembrar de minha mãe numa tarde de 1981: “Cuidado, meu filho, os amigos são poucos e muita gente vai passar pelo caminho, lá na frente são muito poucos os que vão estar ao teu lado”. As mães sabem das coisas, mas não ficam para sempre conosco. Quantos não foram embora, quantos não se esconderam atrás de amém, quantos foram falsos e planejadamente vingativos? Isso não impediu de chegar até aqui, onde dizem ser idade madura, mas onde o chão é tão frágil, as coisas tão esfareláveis, a certeza de que a maior parte do tempo já desceu à base da ampulheta, “a cada hora que passa envelhecemos dez semanas”. Deve haver algum sentido para sermos tão respeitáveis, molas propulsoras do estado dinâmico e moderno e, ao mesmo, tempo, passarmos a vida mendigando tempo onde se possa provar as pequenas balas de açúcar que chamamos felicidade. Deve haver algum sentido, quase que um desafio, quando os piores sentimentos humanos afrontam o nosso caminho. Deixo Johnny Hartman e penso em “Dark Side of The Moon”, talvez um dos grandes apogeus de descrição da decadência humana, tão bem-feito pelos jovens ingleses do Pink Floyd que, hoje, sendo eles senhores perto do crepúsculo – Rick Wright e Syd Barrett mortos – pouco há a superar naquelas melodias e letras que, a seu modo, capturam os lados mais sombrios da alma humana. Deve haver um sentido, mas não é certo que tenha. Enquanto isso, resta esperar, contar as horas e esperar novamente o próximo desmaio, mais o próximo despertar em plena tempestade enquanto o novo noticiário desfila velhos novos crimes, velhos novos personagens, novas vítimas e uma cruel realidade muito, mas muito distante de tudo aquilo que se convencionou chamar de sociedade. Alguém me disse debochadamente um dia que, por tal raciocínio, eu deveria morar em Cuba. Respondi: “Deve ser difícil ter Guantánamo nos arredores”. Fui um tolo: porque quem despreza Cuba há de se preocupar com Guantánamo? E mais não sei dizer.

paulorobertoandel12072012


A POESIA

A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
 
"Tratado geral das grandezas do ínfimo", Manoel de Barros

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