COTIDIANO
Quando ouvi há pouco Johnny
Hartman cantando “It Never Entered My Mind” num vídeo do Youtube, tive vontade
de chorar. A canção bela, doce, sofisticada, imediatamente me soou como perda
do que não aconteceu, meu amor que morreu sem florescer, o vazio de quando se
está sozinho no mundo mesmo que a cada dia uma bela mulher diferente divida seu
colchão. Mas talvez não tenha sido só por isso. “A cada hora que passa,
envelhecemos dez semanas”, ensinou Renato Russo. O tempo nunca será o
suficiente para vivermos tudo o que gostaríamos. O dinheiro nunca será o
suficiente. Os problemas estarão sempre presentes e serão mais implacáveis do
que qualquer grande alegria. Horas antes, lembrei de que hoje seria o dia de mais
um dia comum: ligar a televisão, assistir os grandes congestionamentos da cidade,
a dificuldade das pessoas em chegarem ao trabalho. Um crime, um assassinato, a
violência tão pútrida, imbecilizada e solta feito fera a troco de nada. As pessoas
chorando e sentido dores na porta de um hospital onde não serão atendidas, onde
não há vagas e onde alguém morrerá por alguma ação de descaso. Turistas roubados,
ossadas nunca encontradas, crianças roubadas na maternidade. Crimes impunes. A
patética verborragia barata de um senador a minutos de sua morte política. A cidade
não dorme e, enquanto desfila sua beleza em generosos decotes da Mata Atlântica
ou do Atlântico Sul, muitos fazem do viver a rotina, o cotidiano entre desmaiar
de sono, recobrar-se em pleno caos e viver sem muito sentido, onde cada pequeno
divertimento é a réstia das poucas horas. Untando o tabuleiro, tome ingratidão,
indiferença, injustiça e falsidade. Ontem, testemunhei um pouco disso tudo
contra mim mesmo, o que fez lembrar de minha mãe numa tarde de 1981: “Cuidado,
meu filho, os amigos são poucos e muita gente vai passar pelo caminho, lá na
frente são muito poucos os que vão estar ao teu lado”. As mães sabem das coisas,
mas não ficam para sempre conosco. Quantos não foram embora, quantos não se
esconderam atrás de amém, quantos foram falsos e planejadamente vingativos?
Isso não impediu de chegar até aqui, onde dizem ser idade madura, mas onde o
chão é tão frágil, as coisas tão esfareláveis, a certeza de que a maior parte
do tempo já desceu à base da ampulheta, “a cada hora que passa envelhecemos dez
semanas”. Deve haver algum sentido para sermos tão respeitáveis, molas
propulsoras do estado dinâmico e moderno e, ao mesmo, tempo, passarmos a vida
mendigando tempo onde se possa provar as pequenas balas de açúcar que chamamos
felicidade. Deve haver algum sentido, quase que um desafio, quando os piores
sentimentos humanos afrontam o nosso caminho. Deixo Johnny Hartman e penso em “Dark
Side of The Moon”, talvez um dos grandes apogeus de descrição da decadência
humana, tão bem-feito pelos jovens ingleses do Pink Floyd que, hoje, sendo eles
senhores perto do crepúsculo – Rick Wright e Syd Barrett mortos – pouco há a
superar naquelas melodias e letras que, a seu modo, capturam os lados mais sombrios
da alma humana. Deve haver um sentido, mas não é certo que tenha. Enquanto
isso, resta esperar, contar as horas e esperar novamente o próximo desmaio, mais
o próximo despertar em plena tempestade enquanto o novo noticiário desfila
velhos novos crimes, velhos novos personagens, novas vítimas e uma cruel
realidade muito, mas muito distante de tudo aquilo que se convencionou chamar
de sociedade. Alguém me disse debochadamente um dia que, por tal raciocínio, eu
deveria morar em Cuba. Respondi: “Deve ser difícil ter Guantánamo nos arredores”.
Fui um tolo: porque quem despreza Cuba há de se preocupar com Guantánamo? E mais não sei dizer.
paulorobertoandel12072012
A POESIA
A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
"Tratado geral das grandezas do ínfimo", Manoel de Barros
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