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Sunday, December 24, 2006

Caso encerrado

Flanava na tarde vadia às vésperas do Natal.
Contrariando planos feitos instantes antes, desistiu de um rumo e seguiu para outro. Adentrou uma taberna. Lá entrando, deparou-se com um silêncio típico de contradição com o local. Permaneceu assim. Pouca gente, poucas canecas tilintando, certo ar de monotonia e leveza.
Pediu um trago.
Parou, pensou, refletiu sobre a vida. Tudo em dedicado silêncio, sem vizinhos, ocupantes de mesa ou outros interlocutores.
Houve um rompante, interrompeu-se aquele mesmo silêncio por causa de um tapa nas costas.
Era um conhecido, um ex-amigo, embora não qualquer.
No passado, eram muito ligados, pertenciam a uma mesma turma, cortaram dias e noites pela Guanabara, parecia até amizade de verdade que, no entanto, esvaiu-se à frente. A turma quase toda ainda se mantém, tirando o sujeito do tapa: afastou-se de todos, por umas razões um tanto quanto esquisitas, deixou murchar carinhos. Posta a estranheza de lado, após o cumprimento, falou feito cântaros de chuva. Nada que fosse empolgante como as histórias de alegria e humor do passado; os tempos às vezes tiram o sabor das coisas, ou azedam-nas.
Contou de seu sucesso profissional, de suas conquistas financeiras, de sua afirmação intelectual, de seus novos rumos, desinteressado que estava dos vínculos da antiga, considerando-os todos desimportantes. Mostrava uma incessante obsessão em parecer bem, em ter encontrado o sucesso, talvez comprado num desses livros de receitas que pairam pelas bancas de jornais. Gastou um tempo considerável falando sozinho, quase como se fosse um político em campanha; mais ainda, parecia até uma versão caricata dos estadistas, normalmente nesta posição por meios não democráticos, que ficam dispostos a cultivar a própria imagem. Tudo em vão, tudo frívolo e fugaz. Uma conversa desinteressante pelo passado de amigos, pelo presente de bons conhecidos. Era quase um Narciso envolto num espelho de trezentos e sessenta graus. Em troca, sutilmente, recebia o olhar que se fazia de atento mas que continha um dos piores sentimentos que um ser humano pode nutrir por outro. Nojo. Indignidade para com o passado fraterno.
Houve uma hora em que o discurso mostrou-se fatigado. Um pequeno momento de bom-senso do palestrante, aproveitou-se para despedir-se amigavelmente, mas sem grande calor: talvez tivesse percebido que sua prosa rançosa só não tinha sido rechaçada por boa educação da parte ouvinte. Não deixou telefone, contato, absolutamente nada, menos ainda recebeu solicitação para tal. E foi melhor assim.
Quem muito ouviu, deixou a taberna logo a seguir. Resolveu novamente mudar rumos. Buscou ar livre, ruas arborizadas, gentes caminhando por entre as réstias de sol a bater nas calçadas. Quando chegou perto do mar, reavivou o discurso pedante da taberna. Pareceu-lhe feito o desapontamento que, por vezes, cada um de nós tem quando reencontra a pessoa amada do passado, ouve-a e depois toma-se pela imaginação de como poderia, um dia ter desejado alguém daquele jeito. No caso real, tratava-se de bem maior, pior ainda: amizade é para superar todas as mazelas, todas as barreiras, é para ser indestrutível - ou, ao menos, deveria ser caso fosse embebida pela essência da sinceridade. Triste a sina de deparar-se com a piora de quem já recebeu de nossa parte os maiores votos de boa companhia.
Sobre o assunto, seu último pensar foi o de que quando certas coisas ficam distantes, em alguns casos, é melhor deixá-las intocáveis, para não saborear o amargo da decepção e nem malversar as lembranças de um passado, mesmo que não seja lá tão distante assim.
Mirou em frente, havia a enseada de Botafogo. Não sorriu. Admirou.
Seguiu em frente, como toda vida. Sem espaço para petulância.
Paulo Roberto Andel, 24/12/2006

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