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Saturday, October 05, 2024

Quatro pílulas

a

Há quem diga que só interessa o que realmente aconteceu na vida. É um ponto de vista justo. Mas será que é assim mesmo? Não tenho certeza.

Salvo os desatentos, desmemoriados e quem viva desprezando o próximo, mesmo que o novo sempre venha - e vem - o quase é, de alguma forma, uma presença.

O beijo que quase aconteceu, a amizade que quase foi retomada, o grande plano não executado, o amor não exatamente correspondido na medida exata. O momento em que você está numa bifurcação, escolhe um caminho e muito depois pensa "E se tivesse ido pelo outro".

Muitas vezes, em segundos, os trajetos se tornam definitivos e nem sempre dá para voltar atrás. E se...?

["Sorriu para mim/não disse nada porém/fez um jeitinho de quem quer voltar/dançava com alguém que me roubou seu amor/agora é tarde demais, não sofro mais essa dor/é tarde, é tarde, arranjei um novo amor." 

b

O silêncio infalível de quem se sente sozinho num bairro inteiro. Todos estão dormindo, com exceção das pessoas que sofrem muito nas ruas. À janela, não há uma única outra janela acesa. Não passa um carro, um ônibus. O filme do Canal Brasil acabou. 

É tarde. Todos estão dormindo. Não há uma mensagem no WhatsApp. Nenhuma postagem. 

O único sinal de ruído é o ventilador estranhamente ligado na madrugada fria, menos para simular ar condicionado e mais para que o motor elétrico em funcionamento seja um sinal de vida. 

[Ao longe e nem tão longe, o Brasil queima em crimes bancados por bispos escrotos e milicianos 

c

Tenho saudades do meu time. Ele não era apenas um time, mas um ambiente, uma atmosfera. Tanto fazia se a arquibancada estava lindamente lotada debaixo de uma nuvem continental de pó de arroz, tanto fazia: podia ser também uma quarta-feira vazia, chuvosa, com alguns bandeirões e a esperança numa vitória, mesmo que não significasse um título. Meu time era ter meu pai me puxando pela mão e me dando cachorro quente; era a sala das torcidas onde você espiava a dança das cores embalada pelo samba autêntico. Tenho saudades do meu time, todo de branco em campo, cheio de valentes jogadores negros, alimentando os sonhos dos garotos com o jogo de bola que, mesmo tão contaminado por ora, mantém seu fascínio através dos tempos. Eu tenho saudades de quando éramos quase todos anônimos e ninguém precisava se promover com polêmicas medíocres, porque o que realmente importava era o time - e não a patética vaidade do senhor dono da razão. Saudades de quando tudo era mais simples e humilde - o Maracanã era povo de verdade. Há quarenta anos, eu deitava sozinho no chão da geral e o céu me parecia uma grande tela circular: as nuvens lentamente navegando pelo céu, uma ou outra estrela sobressaindo e uma réstia de infinito que só revi anos depois nas telas circulares dos shows do Pink Floyd. Eu tenho saudades dos abraços sinceros na arquibancada, saudades dos maravilhosos vendedores de refrigerantes com seus capacetes, tanques de refresco nas costas, roupas brancas e visual de astronautas. Saudades das grandes bandeiras. Saudades dos grandes placares eletrônicos com suas lâmpadas e o nosso escudo estampado nelas quando o time subia a escada do túnel à esquerda para entrar em campo - dezenas de garotinhos corriam loucamente pelo gramado, sonhando em estarem ali um dia como protagonistas. Está quase tudo morto pelo tempo, pois ele sempre vence, mas existe um refúgio permanente: o das minhas lembranças, o da saudade. 

[no fim, tudo é desimportante 

d

Amanheceu. É sábado. Há frio e chuva. Poderia ter sido a melhor noite de sono do ano. 

Fracassei de forma retumbante. 

Vamos para novos fracassos.


@p.r.andel

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