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Sunday, May 12, 2024

Jazz na beira da Baía

SAÍMOS do trabalho às cinco da tarde num outono calorento, deixamos a Praça Tiradentes e fomos até o Largo da Carioca, um percurso de 400 metros. Seguimos torcendo para que os bares cheios de cerveja e gentes ocupem a veterana rua cariocas hoje abarrotada de portas fechadas. No Largo fomos direto para a Banca do Vavá, o velho Olivar, livreiro politizado e consciente que há anos roda milhares de livros na porta da Estação Carioca. Livros, livros e CDs. Muitos clientes, claro, e também gente no vaivém que não está nem aí pra isso. 

Eu estava com fome. Eu sempre tenho fome. Gosto de comer. Sou gordo porque não posso mais praticar os esportes que gosto, mas também porque adoro comer. Muitas vezes fiquei sem saber se conseguiria almoçar ou jantar, por isso valorizo cada prato de comida. Então fomos ao Gaúcho, esquina de São José com Rodrigo Silva, desde 1935 na labuta. Tudo lá é gostoso demais. Pedi o pão com linguiça e molho, legítimo cachorro quente. Antes, eu e Jocemar pedimos dois bolinhos de carne. Bar cheio, todo mundo fica em pé, cotovelos se tocam, parece outro Brasil. Um barato é que hoje há grupos de mulheres em pé no botequim, e aí percebo como o machismo prevalecia nos bares da minha juventude: antigamente não havia nada disso. 

Fomos embora para o jazz, mas somente duas quadras depois Jocemar percebeu que havia esquecido o celular no balcão. Senhor! Saiu correndo, encontrou o aparelho, voltou feliz da vida e comemoramos, porque o telefone hoje é praticamente a nossa loja virtual - isso, claro, sem contar os dois barões de prejuízo caso não tivesse achado. Enquanto ele correu, eu fiquei parado olhando o passado, quando existia a Choperia do Papai que muito frequentei com colegas do passado. Logo ao lado tem o antigo Jirau que, ao que tudo indica, voltará atraindo as gatinhas da Cândido Mendes e Estácio. A velha UERJ que escorreu pelo tempo, mas que ainda alimenta lembranças belas - os tesouros da juventude. 

Um barato da Praça XV: skate. A rapaziada voando sobre as rodinhas. Sempre quis ter um quando era garoto, mas o preço era caro, então continuei pela praia jogando bola. Gosto das manobras, dos riscos, é um esporte com ousadia. E ainda tem um super skate instalado ali. Pena que o grande movimento de gente dos anos 1980 e 1990 não existe mais. A Praça ficou muito mais bonita, mas se esvaziou. Em trinta ou quarenta anos as coisas mudam muito. Nada das velhas roletas em cabines de madeira escura, nem do monte de trabalhadores vendendo amendoim nas filas - aquecido na latinha -, nem do cheiro de peixe, muito vendido ali por ora. Alguém se lembra disso? 

Aos pés da Baía de Guanabara, bem ao lado da loja de skatewear e da lanchonete - e também da Estação do VLT -, acontece o Jazz nas Quartas, dois sets a partir das sete da noite. O Guga Pelliciotti, excelente baterista com larga rodagem jazzy (Pedra do Sal, Cinelândia). Conheci o Vitor pequenininho e hoje ele é um senhor guitarrista. Por fim, o baixo elegante e preciso de Fábio Brasil. Jazz de respeito, alternando standarts com temas brasileiros da bossa e da MPB, de "Feira de Mangaio" a "A night in Tunisia". Ou seja, tudo que bons ouvidos musicais precisam, com entrada franca e lanches baratos - não deixem de ir. Eu precisava de uma Pepsi gelada e pedi; logo lembrei da minha amiga amada de anos, que conheci por uma foto, achei linda e o velho Xuru me deu um safanão - e depois fomos os três jogar sinuca aos pés do Siri da Ilha num domingo à noite no fim do século passado - tudo passa a 100 km/h. 

Quase oito da noite. Baixo, bateria e guitarra vão duelando maravilhosamente. O jazz é bom. O jazz liberta. Uma garota bonita escuta o show e escreve num caderno - ou seria uma agenda? Um casal namora harmoniosamente enquanto espia a apresentação. Alegre ao extremo, o Jocemar comemorava merecidamente a salvação do celular, que é praticamente a filial da nossa loja. Eu não tenho nada para comemorar, mas posso dizer que tive uma noite de quarta-feira de paz - me senti até gente, como não fazia há tempos. Venham à Praça XV ver e ouvir jazz nas quartas, a vida fica melhor. 

@p.r.andel

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