Está tudo bem. No seu pequeno mundinho todos estão felizes, até porque eles não se importam com ninguém além de si mesmos. Ninguém tem qualquer sofrimento. A vida até parece uma festa. Será que é isso mesmo? Às nove da manhã?
Então você olha para o teto e tenta pensar numa saída, mas ela não existe. É seu dia de folga e é como se fosse jogado fora. Você chora, se desespera, sabe que tem problemas praticamente insolúveis, sabe que talvez o melhor seria que tudo acabasse mas você não tem forças nem para cometer suicídio. Enquanto você chora desesperadamente, pessoas que sabem do teu sofrimento mandam mensagens de auto ajuda ou falam de coisas que são inalcançáveis para você. Elas sabem que você está na merda em todos os sentidos, mas o que isso importa para elas? Nada. Absolutamente nada. E você sabe disso. Se você morrer hoje, elas vão colocar carinhas de choro, dizer "meus sentimentos" sem sentimento algum e, se você tiver sorte, alguém cuida do seu enterro. É o máximo.
Você olha para o teto e tenta pensar numa saída, mas ela não existe sem o apoio de terceiros. Alguns deles, quando precisaram, tomaram muito tempo e trabalho teu, mas agora você é simplesmente um pária, um mala que deve ser evitado e silenciado. As mais hipócritas falam até de democracia e inclusão, mas não para o seu caso. Você não tem mais utilidade.
E quando você olha para o teto, tem a exata noção de que só se salvará por muita sorte, inclusive porque já não tem nenhum amigo, pelo menos vivo, e os espíritos não têm dado conta de te dar a mão.
Olhe para trás. Quanta coisa foi feita e vivida, mas agora parece tudo em vão, porque você não tem forças para limpar a casa, lavar a roupa, arrumar o caos, sequer pagar as contas, podendo escolher se prefere pular pela janela ou morar na calçada, depois de tanto trabalho e estudo, tanta aplicação, tanta generosidade que não significou nada que não seja derrota.
O teto. Ele esconde o céu, o infinito. Melhor assim.
A janela e a cortina fechadas, melhor assim.
Espie as redes sociais, com seus patetas ditando normas de comportamento. Você precisa ser forte. Ninguém deve saber da tua tristeza ou derrota. Você precisa ser superior e enganar a todos, inclusive a sim mesmo.
Quando se dá conta, o dia passou, você não almoçou, não tomou os remédios, não se cuidou e talvez este dia a menos seja até alívio. É melhor chorar sozinho do que ouvir idiotices em vão, palavras vazias que muitas vezes são ditas apenas porque o orador quer se sentir bem. Os religiosos de araque dizem que você precisa de socorro espiritual, porque essa linguagem é sempre mais cômoda para eles. Tudo que você queria era uma pequenina casa sem luxo, com uma TV, celular, alguns livros e discos, geladeira e cama. Só. Você queria ver a TV em paz, sem notícias permanentes sobre assassinatos, chacinas e guerras que fazem muita gente sofrer loucamente. Você só queria ir uma vez ou outra ao cinema ou ao museu, ou a algum show barato, algum drinque num bar modesto, mas você não tem nada disso. Duas calças, dois pares de tênis, um chinelo, duas bermudas, camisas. Bastava isso. Ter dois ou três amigos de verdade, amores de verdade, camaradagem e solidariedade de verdade, mas nada disso existe. Uma família? Era boa, mas acabou. Só ficaram as lembranças.
Abra o WhatsApp. Está tudo bem. Todos estão felizes. Você teve azar: num mundo de hipocrisia, justamente você foi o escolhido para dizer o que realmente sente.
(continua)
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