Depois de mais de uma noite mal dormida, ligo a TV e me deparo com um caminhão tombado em algum lugar. A carga era um monte de galinhas.
Coitadas. Juntas num bolo que mais parecia um supermercado cheio, paradas, cacarejando sem saber que adiaram a morte.
Já no take seguinte, como era de se esperar, um monte de gente esfomeada começou a saquear a carga. Para muitas galinhas, a hora da morte sofreu apenas uma vírgula.
É muito duro ser galinha, frango, peixe ou qualquer bicho que faça parte da cadeia alimentar humana. Eu não queria que nenhum bicho morresse, mas o frango, o peixe e o espetinho são deliciosos. É uma contradição que sempre carregarei.
É muito duro ser humano no Rio de Janeiro onde, se você não pertence a um nicho de elite econômica, quase sempre está ameaçado pela violência, despejo, miséria, sofrimento e o pior: com a total indiferença das pessoas em volta. Se alguém para numa janela e ameaça o suicídio, a turma da calçada grita "Pula!". Todo mundo que tem 50 anos ou mais já ouviu algum infeliz dizer "Tem que tacar uma bomba em cima da favela e matar tudo". Nós, societá, somos muito piores do que parecemos.
A TV continua. A mãe assassinada, o rapaz morto na briga de torcidas, o assalto na portaria e por aí vai.
Há quem acredite que a solução é só pensar em coisas boas, deixar de lado a má energia. Na prática, fingir que isso tudo não existe e que não fazemos parte desse processo.
Eu, não, mesmo que pareça hipócrita minha solidariedade às galinhas, porque a que dedico aos seres humanos não tem hipocrisia alguma.
Então desligo a TV, o ventilador super turbo, me preparo para o banho e a saída para o trabalho.
Na cabeça, carrego medo, tristeza, decepção. Já pensei muitas vezes que eu gostaria de ser uma pedra bem grande e ficar na minha num parque qualquer. Quando era pequeno, tinha uma bem grandona no Parque da Cidade. Queria revê-la, nunca mais fui lá.
Bom, pedra bem grande longe de empreiteiros da brita, que fique registrado.
Bom dia.
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