Na esquina abandonada da Praça Tiradentes, um cãozinho assume um ar de lorde e flana tranquilamente até sua casa.
A porta do Teatro Carlos Gomes, fechado e desprezado, um palco tão importante para a arte brasileira.
O cãozinho elegante mora ali com sua família, que parece ser um senhor e seus dois filhos, um que talvez tenha uns catorze anos e o outro, uns dez.
Estão ali há alguns dias. Nunca ficam muitos dias. Eles precisam circular e escapar dos perigos noturnos. São muitas pessoas sofrendo ali há anos, desde que montei meu pequeno negócio.
Quando passo, vou e volto do trabalho, talvez eles pensem que tenho uma vida muito melhor do que a aparente. Eu tenho certeza de que eles sofrem muito, e isso me rói a alma. Tenho sofrido esta dor há cinquenta anos em vão, porque o mundo pode ter mudado demais, mas não no essencial. E sei que fui derrotado: morrerei sem ver o fim de tanta humilhação. Perto da desgraça que é ver semelhantes sofrendo na rua, ainda mais crianças, nada do que realizei de bom na vida tem importância.
Um cãozinho elegante não liga para dinheiro, miséria ou sofrimento. A ele basta alguma comida e água, mais a proximidade de sua família, que tanto sofre mas ele não entende. Vai e vem, livre, sozinho, sem regras. Corre até riscos.
Apressados, os carros da Pedro I passam com velocidade a caminho de casa. É Copa do Mundo, é a saída do trabalho, os churrascos e festejos exigem pressa. Ai de quem atravesse a veterana esquina sem atenção.
Ainda tenho um quilômetro para chegar em casa. Não sei dizer se amanhã a família do cãozinho estará lá. Talvez nunca mais o veja, mas tirei uma fotografia dele para nunca mais me esquecer de sua elegância, a mesma que falta em tanta gente que só tem dinheiro, mas sobra naquele simpático viralata caramelo que perambula pela vida e, por alguns segundos, oferece alegria para cada um de nós, ainda humanos.
@pauloandel
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