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Sunday, September 25, 2022

um poema sujo...

UM POEMA SUJO A UMA SEMANA DO FIM DO FIM DO MUNDO

Falta uma semana para acabar o fim do mundo e isso me traz algum alívio, pequeno diante de tantas dores e tanta gente falsa, hipócrita, covarde e desumana. Por isso sinto dores e não durmo, e quando desmaio de sono posso ter sonhos loucos como o de ontem, quando tentava tirar minha mãe das montanhas da URSS em plena tempestade, trocando de aeroportos como se fossem baldeações  - é tudo verdade. Minha pobre e amada mãe, morta há quinze anos, parece viva demais em meu sonho confuso. Falta uma semana para acabar o fim do mundo, mas a minha cidade está destroçada, humilhada, caída no meio-fio e será preciso um trabalho descomunal para ressuscitá-la: todo santo dia ela é cheia de pessoas famintas chorando nas ruas, sem casa, nem comida nem futuro. Será preciso reconstruir tudo, excerto para a confortável e acomodada burguesia que, de seus apartamentos esnobes, ou finge solidariedade ou estampa a bandeira da escrotidão repugnante. Minha cidade respira por aparelhos, e é cheia de lojas fechadas, apartamentos e salas vazias, tão apavorantes que nem o fantasma de meu querido pai, um fanático pelo Centro onde cresceu e viveu, dará as caras - e continuarei sozinho porque esse é o destino de todos nós, mesmo que finjamos o contrário - a profunda solidão do ser humano, que nasce e morre sozinho, que chora sozinho nos muitos dias tristes e procura um improvável espírito da paz. 

Falta uma semana para acabar o fim do mundo e na TV Bob Dylan está cantando alto para espantar os escroques e traidores das pátrias, o que ele tem feito ao longo de décadas - ao mesmo passo que FDPS daqui desprezam heróis da cultura como Gil e Chico. Bob Dylan é também um trovador solitário - desde o dia em que leu Jack Kerouac, saiu de casa e nunca mais voltou - vejam, ele ganhou o mundo, ficou milionário, tem fama mundial e prêmios inquestionáveis mas nem isso o libertou da solidão. 

Uma única semana para que voltemos aos leves tempos do golpe parlamentar, com as cidades recheadas de quadrilhas violentas e sedentas de crânios esfacelados, e por incrível que pareça este cenário de horror é bem menos pior do que tudo que temos vivido - nós, os mortais, que ganham moedas e sofrem risco de demissão, despejo e miséria, tudo certamente desprezado por nossos falsos amigos que fazem cara de paisagem, porque o ser humano é realmente assim: oportunista, egoísta e pilantra, salvo honrosas exceções. 

O céu pode esperar, já o inferno é aqui, doloroso, desumano, mas ainda assim temos o que comemorar: falta uma semana para nos livrarmos do fim do mundo, do cheiro do ralo, do esgoto podre que advém do ideário de gente má, perversa e que comemora a dor alheia. Por isso, nosso inferno será menos infernal do que antes. Ainda há muito o que sofrer, mas existe uma luz no fim do túnel e devemos persegui-la. O ódio é a estupidez, ele não é parte natural do nosso corpo - devemos eliminá-lo. Se conseguirmos olhar para o lado e ajudar minimamente o próximo em lágrimas, seremos menos inúteis do que lacradores ou estúpidos fiscais de redes sociais, ansiosos não pelo progresso mas pela opressão covarde, pela humilhação barata do outro - os mesmos que discursam pelo moralismo são os mais escroques, e não estão nem aí para os milhares e milhares de cariocas desesperados, carregando balas de açúcar para vender enquanto não encontram a dor das balas perdidas. 

O certo é que falta uma semana para se festejar o fim do fim do mundo. Ainda virá uma longa e tortuosa estrada pela frente, mas a sensação de se eliminar a máquina de ódio que sequestrou o Brasil é um alento. Não será fácil remover a falsidade e a hipocrisia, porque elas estão consagradas, mas se for possível ter dias menos coléricos, será um alívio imediato. É o que precisamos, na verdade vocês, porque eu já estou morto há muito tempo e, por aqui, apenas cumpro a insuportável pena de lidar diariamente com a indiferença humana. Mas pouco me importa: eu não preciso ser feliz para ser um bom fantasma em carne e osso. O que me move é a minúscula probabilidade de luz no fim do túnel. O que me basta é que, daqui a uma semana, mesmo ferido de tanta morte, eu possa dizer: "Como eu festejei o fim do fim do mundo".

#otraspalabras

#andelbooks

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