há um um lindo sol
de tarde - o sol da
última tarde -
e a gente amanhecendo
sem filas de trem
ônibus ou barcas
- a cidade é um feriado
[são vários sóis
vão-se as horas
por entre ruas desertas
e sombras de árvores
incansáveis -
às vezes pequenas
frutas se espatifam
nas calçadas
a gata do vizinho está
derramada à cama e
nua de doer - ela sabe
quem vê ao longe e ri
e debocha da própria
beleza em pêlo e riste
[ao longe, gentes reviram lixo
para ter o que viver
[ao longe gritam num pagode
bastante empolgante
eis um carnaval sem
desfile nem torcida
sem apoteose e fantasia
- a última tarde
- o sol da última tarde
[casais que não trocam
bom dia
[mensagens secas que
não chegam
[peitos estufados com vã
valentia e rostos nus
é melhor deixar a
cortina fechada
o som bem mais baixo
a campainha desligada
pequenas esmolas de
paz em tarde ensolarada
- o sol da tarde
- o sol da última tarde
do ano que desaconteceu
[talvez o som de ornette coleman
seja uma pequena liberdade
[ou a fúria juvenil de albert ayler
em sopros tortuosos
do outro lado da cidade
a pequenina figura de
um menino caminhando
pela calçada perto da baía
de guanabara sem camisa
nem horário e nem família
de chegada
[tão pequeno e novo
as pessoas amanhecem
numa linda tarde de sol
- o último sol da tarde
- a tarde do último dia
alguém assobia uma canção
popular nos arredores da
central do brasil, perto de
onde joão goulart fez seu
último discurso antes de
sequestrarem o país
[são sóis demais
@pauloandel
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