A televisão brasileira, este importante veículo que carrega em si uma extensa carga de contradições, para o bem e o mal da vida brasileira, experimentou ontem um de seus mais constrangedores momentos - e isso no Brasil 2020, onde constrangimento é o que não falta.
Começo da madrugada, a entrevista de Pedro Bial com William Bonner na Rede Globo, a mesma que floresceu do golpe de 1964 e apoiou o golpe de 2016, que desaguou no lamaçal onde estamos.
O motivo do constrangimento é simples: Bonner, o todo poderoso editor do Jornal Nacional, que fala para dezenas de milhões de brasileiros de segunda a sábado, protagonizou no programa de entrevistas uma cena digna das novelas do concorrente, o SBT do bolsonarista Silvio Santos, em algum dramalhão romântico numa reprise, choramingando por se sentir oprimido por conta de sua posição profissional. Bial, que há três meses tripudiou publicamente da cineasta Petra Costa, só faltou choramingar com Bonner e depois fazer cuticuticuti como acalanto.
Uma performance absolutamente irreconhecível do jornalista que, por anos, editou suas próprias falas em horário nobre para pregar o ódio à política, ao Partido dos Trabalhadores, às figuras de Dilma Rousseff e Lula. Ela, golpeada covardemente; ele, condenado e preso por meio de uma farsa judicial.
É certo que ninguém deve ser ameaçado ou ter os filhos vitimados por fraudes. Ninguém, e Bonner democraticamente pertence a este mesmo contexto.
É lamentável que o editor esteja em auto isolamento desde as eleições de 2018. E também que tenha tido o drama da doença de seus pais. Infelizmente, é uma situação que pode acontecer, especialmente quando se é adulto e os progenitores têm idade mais avançada.
O problema é quando Bonner, em meio ao seu quase chororô, se diz vítima da "polarização" que existe no Brasil, onde pessoas que o xingavam hoje o aplaudem (?), assim como antigos fãs o têm como atual desafeto.
Mais uma vez, agora fora das lentes do Jornal Nacional, editou a verdade por critérios pessoais.
Não é possível em maio de 2020 que alguém em sã consciência acredite que o que está acontecendo no Brasil é uma disputa entre direita e esquerda, ou entre liberais e "comunistas". Não é aceitável, ainda mais quando se trata de um formador de opinião nacional.
O que o Brasil viveu entre 2013 e 2018 é diferente de hoje. Lá, as disputas eram entre o conservadorismo e o progressismo, e depois entre o golpismo e a legalidade. Agora vivemos uma outra contenda: a do humanismo contra a barbárie, da democracia contra o fascismo.
Não é preciso ser de esquerda, progressista, socialista, comunista ou o que quer que seja para se opor ao governo mais insano, despreparado, maléfico e antirrepublicano da história deste país.
Ao igualar o comportamento dos progressistas aos dos fascistas, Bonner cometeu mais um erro crasso em sua trajetória pública. Não são os progressistas que fazem vista grossa à rachadinha, nem ao livre armamento para talvez insuflar uma guerra civil.
Não são os progressistas que estão nas ruas em plena contramão da humanidade, incentivando e debochando da pandemia que, por baixo, já matou quase 200 mil brasileiros, bem ao gosto de quem já disse que seria preciso matar uns 30 mil para a vida melhorar.
Não são os progressistas que estão dilapidando a Caixa, buscando entregar o Banco do Brasil a troco de banana, e deixando milhares de pequenas e médias empresas à beira da morte por asfixia.
Não são os progressistas que jogaram no lixo milhões de empregos, enquanto prevalece a mentira de que "os investimentos vão mudar tudo". Que investimentos? Basta ler e ouvir todos os grandes veículos jornalísticos do mundo. NENHUM deles dá qualquer crédito ao Brasil de hoje.
Ontem, William Bonner tentou se passar por um brasileiro sofrido, igual a tantos outros, mas fracassou na interpretação. Mais ainda: nas comparações que fez. Ele não manipulou a mão dos brasileiros nas urnas eletrônicas, mas é sim um justo corresponsável por muito do que estamos vendo. Durante anos, foi um eficiente porta-voz do PSDB em rede nacional diária. E sua própria voz está no imaginário do povo brasileiro como a locução do ódio ao PT, queira ou não.
É a voz de Bonner que celebrou o "combate à corrupção" de Sergio Moro, assim como celebrou a ética de Aécio Neves no passado. E celebrou o antipetismo nas eleições de 2018.
Ao insistir em igualar o fascismo ao antifascismo, William Bonner mostrou que, apesar de lidar diariamente com notícias há décadas, tendo ganho muito dinheiro e fama com isso, não foi capaz de entender a dor de milhões de brasileiros. Muitos destes o escutam toda noite em televisões instaladas em biroscas e barracos, capazes de fazer chorar qualquer pessoa.
Tudo bem diferente do dramalhão macarrônico de ontem à noite, completamente alheio ao desastre fascista que ameaça o Brasil.
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