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Tuesday, November 06, 2018

visto

o que tenho visto nestas ruas
tem a ver com as sombras
e os indiferentes silêncios

por mais que a paisagem seja
linda
de morrer
e os prédios sejam tão
belos

o que tenho visto é a dor
o vazio a desesperança
corações famintos solitários
em plena multidão

tenho visto mãos de esmola
a caminho da morte
e risos entorpecidos
e felicidades falsas em fotos
tenho visto rancor
a empáfia que apodrece
a alma tonta

as filas do desespero
a injustiça é a grande compaixão
qualquer outro que se foda cru
de quem é a culpa?

o que tenho visto é a miséria
dos capitais vis e covardes
a miséria das famílias destruídas
pela hipocrisia
a miséria dos amantes
desencontrados
por nada

as luzes dos barracos sugerem
um céu estrelado visto
por quem sobrevoa a cidade
decapitada

manchetes sangrentas
e mentiras de primeira página
a serviço dos párias do amor

o que tenho visto de perto
mora em pequenas lágrimas
pelos irmãos distantes
os desaparecidos
os amigos de abraços sinceros
pequenas lágrimas de saudade
e do que nunca mais será
o exercício das pequenas coisas

silêncios indiferentes no elevador
nos olhares faiscantes pelas
conversas eletrônicas:
o admirável mundo frio
os oprimidos por toda parte
à noite as grandes avenidas
pertencem aos mortos vivos
zumbis de calçada desprezados
e quem não tem nada a ver
com isso
sorve o sono dos tranquilos

o que tenho visto é o fim
mais perto do que o começo
sem medo nem otimismo
que os últimos anos sejam
o contrário de tudo que prometem:
não me levem flores
nem escrevam belos poemas
ou cartas de amor -
nem o pior dos homens merece
uma despedida hipócrita

perto da meia noite tenho visto
o dia que nasce sozinho
as promessas não cumpridas
a tristeza das distâncias
infinitas
relembro um poeta triunfal e sua
pergunta:
como matar o tempo?

o que tenho visto são belos prédios
e corações despedaçados
- a natureza humana

@pauloandel

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