De tudo o que já foi dito a respeito de Jô Soares nos últimos dias, impressiona-me (mas não muito) a colossal ignorância de alguns "pensadores" da internet.
Durante toda a época da ditadura, Jô foi um de seus principais desafiadores. Para aprovar suas peças, usava um expediente humorístico: antes de um parágrafo que fatalmente seria censurado, colocava outro que nada tinha a ver com o roteiro, metendo palavrões e putarias. Assustado - e muito burro -, o censor cortava todo o parágrafo falso, deixando o que o autor queria (foram os mesmos que não desconfiaram de que Julinho da Adelaide era "parecido" com Chico Buarque, ou que deixaram passar o primeiro disco de Tom Zé - não entenderam nada).
Em 1988, Jô fez o que ninguém faria: chutou o sucesso do horário nobre às segundas para fazer um programa de entrevistas no SBT à meia noite. A Globo não quis o programa. Doze anos depois, ele foi recontratado ganhando o triplo.
Com mais de meio século dedicado ao humor, ao teatro e ao entretenimento, multimilionário, aos 77 anos Jô poderia ser um acomodado como Faustão ou um "bom moço" dos sábados à tarde. Longe disso. Do artista, se espera a ousadia e não a submissão.
Pensando bem, é natural que muitos o xinguem de forma agressiva e primitiva. Somos ainda um país de muita galhofa e pouca leitura, muita pose e pouca reflexão, muita arrogância e nenhuma humildade em reconhecer o mar de ignorância que ceifa a nossa história.
A você, que perde seu tempo com palavrões na internet contra Jô Soares, um lembrete: graças à luta de pessoas como ele no período mais autoritário da história, a tua liberdade democrática do exercício do primitivismo está assegurada.
E tudo porque virou desrespeito respeitar quem preside a República. Não a das bananas, como se falava; afinal, qualquer macaco é muito mais articulado intelectualmente do que a maioria dos internautas brasileiros, ávidos por seus choques de ordem, meritocracias e defesas de um nacional socialismo que já deveria estar enterrado ao lado do cadáver de Adolf Hitler.
@pauloandel
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