CAMINHANDO em pleno janeiro no calor do centro do Rio 2015, relativamente esvaziado na segunda-feira imprensada pelo domingo solar e o feriado de São Sebastião, padroeiro da linda e sofrida cidade.
Na agência da Caixa na esquina de Henrique Valadares com Ubaldino do Amaral os vigilantes com olhos esbugalhados enxergam até o som. A velhinha deixa o terminal eletrônico ao lado de sua neta lindíssima, capitalizando olhares.
O prédio novo da Petrobras, gigante e moderno, mil pessoas trabalhando e me recordo de meus amigos reacionários o dia inteiro nas redes sociais apedrejando o Governo, depois saem para passear na Barra ou no Leblon, preocupadíssimos com o Brazyl.
Debaixo de um calor enorme, o morador de rua procura qualquer coisa de valor dentro da caçamba de lixo atrás do Íbis na Praça Tiradentes. Ninguém liga. Quando um transeunte oferece ajuda, o pobre moço já saiu desesperado à busca de seu inferno particular.
Teatros João Caetano e Carlos Gomes, berços da ribalta nacional.
Fundação Pasqualini, Brizola vive mas a loja está fechada.
Perto dos salões de venda de cabelos na Sete de Setembro, as mulheres tatuadas gritam com seus amigos homossexuais, todos com cabeleiras modernas, para uma simples conversa. Passando uma potencial cliente, lançam o slogan:
- Quer cabelo, colega?
Desça a Sete até a esquina de Gonçalves Dias e vire à esquerda. Antes disso, vinte turistas branquelos riem a valer, mesmo esbaforidos pelo calor, ávidos pela próxima atenção - acabaram de sair da Colombo - duas louras fenomenais. A rua vazia, quase ninguém no Starbuck's.
Direita, a galeria da Ouvidor cheia de stands de moda feminina - as mulheres ficam loucas com todas as peças - a linda bailarina de Realengo gastaria horas experimentando tudo que a deixasse mais bela. Subindo a escada e passando pela sex shop, você encontra o ponto de cds da Raquel com seus pais, coisas que não vai achar nas lojas e nem nas promoções - os colecionadores espiam cada peça. Mexi em discos de jazz enquanto Raquel falava das agruras de se alugar um imóvel quando o proprietário responde pelo trio de algarismos: 171. Comprei Bowie e outros, Dado Villa-Lobos, uma coletânea de filme underground.
A longa travessia da volta, vários momentos de sol a granel, Tiradentes, Visconde, Gomes Freire, as ruas deprimidas - o calor desumaniza os sentimentos sem o Atlântico Sul por perto -, pessoas respeitáveis, o par de chinelos passa pela padaria ao lado da nova Petrobras, com pão fresquinho acabando de sair e mortadela em dia, debaixo do prédio sessentista onde certa vez Henrique fez a produção de um filme enigmático.
Perto do banco, outra velhinha sentada na porta e conversando com o vigia. Alguém ouve "Miss me blind" alto num rádio, que não é o do vendedor de churrasquinhos porque sequer montou a churrasqueira.
O mendigo pacífico e solitário da rua pede esmolas em vão. As pessoas querem o fim da corrupção, não o da miséria, enquanto pensam num futuro melhor comprando porcarias inúteis em Miami.
João, o porteiro de aviso prévio, delicadamente abre a porta do elevador para a subida. Felizmente, tudo vazio.
DEPOIS de um banho relaxante, o escritor paulo deita-se como se tivesse disputado uma maratona de corrida, abre "O capital no século XXI", deixa a televisão ligada feito rádio, conta o dinheiro na carteira, bebe um imenso copo gelado de água, esquece dos remédios, espia os arredores pela janela enquanto seus amigos tricolores reclamam do mundo inteiro e recorda os belos inícios de livros que seus colegas lhe mandaram ultimamente.
Os defensores da pena de morte não falam de seu candidato à presidência. A hipocrisia é fundamental.
No rádio, uma grande canção: "É verão, bom sinal, já é tempo de abrir o coração e sonhar".
@pauloandel
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