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Eu queria que você estivesse aqui, tal como nos velhos tempos. Era tão bom matar aula à tarde, comer hamburger Sadia e ficar ao teu lado para ver o programa popular da TVS. Certa vez, faltei tanto que vieram do colégio me procurar: acharam que algo de ruim tivesse me acontecido. Não é que eu lamente: chorar é outra coisa e eu choro todo dia. O que me dói é o danado do tempo, que corre solto tão rápido que tudo continua na minha cabeça como se fosse na semana passada. Eu queria que você me passasse um trote, ou fizesse uma torta montada com bolo Plus Vita. Eu queria que voce reclamasse do futebol ou da minha demora na rua. Eu queria qualquer coisa que me me fizesse parar de sofrer mesmo que por um pequenino instante apenas. Não tenho a menor ideia de quanto tempo vou ficar por aqui, mas carrego a infeliz impressão de que tudo aquilo não se repetirá. Eu queria te dar os parabéns pelo teu aniversário e mais um beijo, um abraço e um presente, mais uma declaração do amor de sempre. Eu queria fazer várias coisas, todas cerceadas pelo impossível. Este é o mundo que chamam de moderno e corporativo, enquanto eu sou meu próprio fantasma. Enquanto isso, eu te amo tanto, tanto, tanto e sempre que nem sei mais para onde minha bússola aponta.
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Um jovem se arrasta pelo chão na praia de Botafogo. Tem a perna amputada numa cirurgia claramente malfeita. Descalço. Sem dentes. Tão menino e vivendo o pior do inferno, pedindo alguma comida. As pessoas passam alheias à dor: precisam correr para o shopping, mandar um SMS ou fingir que aquilo não é nada. Eu entrego o dinheiro de uma refeição: ele agradece e me recomenda a Deus. Dele, aceito. Eu não merecia isso hoje, ele não merecia aquilo nunca. É o único momento em que eu gostaria de ser um milionário. Tentar minimizar a dor dessas pessoas que sofrem tanto na rua, já que a minha dor ninguém vai mesmo tratar.
3
Depois de um excelente documentário sobre o genial músico Itamar Assunção, exibido quase de graça em Botafogo no Unibanco (ué, não é Itaú?) Arteplex, descubro que ele não teve um carro, uma casa própria, nada. Ou melhor, teve tudo. Nadou sempre contra a maré que não lhe derrubou. A terrível doença que lhe ceifou a vida antes do justo foi um detalhe, triste mas detalhe. Itamar foi Cartola ou Nelson, Camunguelo ou Blecaute: viveu para a arte, enquanto a sofisticada elite ignara dava-lhe os ombros e negava-lhe o reconhecimento tão evidente que desqualificá-lo fede a burrice atroz.
Paulo-Roberto Andel, 26/07/2011
Depois de um excelente documentário sobre o genial músico Itamar Assunção, exibido quase de graça em Botafogo no Unibanco (ué, não é Itaú?) Arteplex, descubro que ele não teve um carro, uma casa própria, nada. Ou melhor, teve tudo. Nadou sempre contra a maré que não lhe derrubou. A terrível doença que lhe ceifou a vida antes do justo foi um detalhe, triste mas detalhe. Itamar foi Cartola ou Nelson, Camunguelo ou Blecaute: viveu para a arte, enquanto a sofisticada elite ignara dava-lhe os ombros e negava-lhe o reconhecimento tão evidente que desqualificá-lo fede a burrice atroz.
Paulo-Roberto Andel, 26/07/2011
Para Bolinha Mãe, o jovem sofrido e Itamar.
3 comments:
Sempre legal seus devaneios. Nada como passar por aqui no final da tarde. Beijos
Sua Mãe.
vi uma vez.
falei uma dezena.
me prendeu em seu apartamento.
doce e alegre.
sempre me admirei do seu amor por ela.
talvez por isso não tenha lhe parabenizado naquela data.
sei que sofre.
conte comigo, amigo.
sempre haverá um ouvido ou olhos atentos.
a presença pode ser fato raro, mas a amizade é mais forte quer isso.
O dia do "sequestro" foi um clássico total!
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