Temo as grandes avenidas.
Reconheço suas imponências diante de nós, pobres humanos que a elas servimos feito um enfeite de bolo. Entendo suas existências, tão necessárias para que o dinheiro faça da cidade a sua célula-mater. Sei de suas importâncias para o dia-a-dia de muitos que vivem pelas peripécias desta Guanabara tingida por sacrifícios. Mas eu não gosto das grandes avenidas.
Tenho motivos.
Um deles é o de que grandes avenidas não pedem passagem, simplesmente fincam base numa região e pronto: que o digam os moradores de uma favela erguida aos pés da Presidente Vargas, ali estabelecidos há quatro ou cinco gerações - e nunca receberam um tostão pela cessão de suas casas. Outro é de que grandes avenidas não importam-se com seus moradores ou ocupantes, principalmente aqueles que têm apenas a marquise como condomínio e abrigo: passam-se as décadas e lá estão os mesmos braços estendidos em busca de migalhas para a sobrevida infame, ora jovens, ora envelhecidos pelas mazelas da rua.
Grandes avenidas não comovem seus transeuntes a ponto de cativar-lhes em prol de solidariedade: basta que alguém tenha um mal súbito e caia no chão; todos param, observam a dor humana, a tragédia, a prévia da morte, tudo como se estivessem diante de um filme de terror - exceto um ou outro desavisado que burla as leis do cão.
Grandes avenidas estão cheias de pessoas apressadas, engravatadas, sedentas pela corrida do tempo, várias vezes com muito a fazer e muito pouco a produzir, trôpegas pelos restaurantes e lanchonetes onde raros são os que têm a ousadia de conversar com o próximo.
Grandes avenidas atraem grandes carros em grandes velocidades, e isso rima com tragédia em alguns momentos de semanas atarefadíssimas. Os motoristas precisam chegar rápido, embora não se saiba exatamente para quê; os pedestres também correm em concorrência. Todos correm muito e vivem pouco: a vida já é tão rápida e curta, para que encurtá-la com economias inúteis?
Grandes avenidas têm vendedores humildes, camelôs, engraxates de todas as idades, jovens secretárias, mensageiros, auxiliares, executivos, professoras de sexo, malandros sórdidos, gazeteiros e mais um batalhão de humanos: porque não interagem feito a sociedade que devia ser construída no século XIX e hoje, já no XXI, ainda não está firmada?
Grandes avenidas estão cheias de sirenes a tocar, assustando os calmos.
Grandes avenidas sufocam os que precisam chegar e sair dos lugares em horários padronizados pelos dinheiros.
Grandes avenidas incentivam o asfixiante e gélido transporte subterrâneo sem paisagens, sem árvores, sem elementos, sem vida, apenas tons de preto a fazer as janelas de féretro.
Grandes avenidas só passam por praças gradeadas e proibidas.
Grandes avenidas não ecoam as canções de Dorival ou João, nem de Hermeto ou do Maestro Jobim; por isso, reservo-lhes respeito, amor nunca. Afinal, nas grandes avenidas sobressaem os pequenos personagens.
2 comments:
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