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Monday, May 22, 2023

Lanchando no Opus

Saí da loteria, meu exercício direto de luta contra a miséria e, na Gonçalves Dias, me deparei com três lojas vizinhas fechadas. Acho que nunca tinha visto aquilo em minha vida no passado, mas a realidade é dura e, por mais que haja um esforço de recuperação, ainda falta muito para o Centro retomar o movimento de outrora. 

Bate a tristeza. Três e meia da tarde. Tenho fome também, mas a maioria dos restaurantes já era. Então viro à direita, cruzo a Ouvidor e vou em busca da justiça alimentar. Lá está o Opus, que desde os anos 1960 oferece delícias cariocas: sanduíches e porções. Salaminho, calabresa, pernil. Não existe erro. Ah, e ainda vende o refrigerante KS, que no passado se chamava garrafa de vidro. 

Fernando, o dono, extremamente atencioso, puxa o papo na tarde de bar e rua vazios, já a caminho do fim do mês, quando minguam o ticket refeição mais os limites do cartão de crédito e cheque especial. Então falamos das lojas fechadas, da pouca circulação de gente pelo Centro, da dificuldade em retrofitar prédios antigos na região - muitos foram construídos com apenas um banheiro por andar. Um cliente próximo, bravio, se irrita com as eternas roubalheiras em licitações e obras públicas.

Chega o sanduíche. Dos deuses. Sanduíche de pernil bem feito, crocante, pão macio, negócio de louco raro no Centro, digno da tradição do falecido Monteiro e do vivíssimo Paladino. Vale almoço e janta. Meu olho gordo quase especula um segundo lanche. 

Volta o Eduardo e fala de seu apreço pelos livros, que gostaria de ter um sebo e acho espetacular a simbiose, porque eu queria um Opus cheio de sanduíches maravilhosos - clientes, nem tanto. A conferir. Falei a ele para nos seguirmos no Instagram, depois ainda emendamos em outro assunto triste: o completo vazio das ruas na região da rua do Carmo, Ajuda e arredores. A Prefeitura já iniciou um plano de ocupação, tomara que dê certo. 

Gosto dos bares tradicionais. Gosto de pensar em quantas e quantas pessoas já sacaram sua sede e fome por ali. O Opus é de 1960, imagine quanta água do rio já passou pela vida e memória. Eu mesmo só cheguei em 1968 e dei meus primeiros passinhos pelo Centro em 1973, com cinco aninhos. Meu pai me puxava pela mão enquanto não estava em sua loja, uma importadora na rua Buenos Aires. A gente voltava a morar em Copacabana, depois de um período em Cascadura. Eu descobria a Cidade, era assim que chamavam. "Você vai à Cidade?". Era assim. 


Trabalhar é preciso. O maravilhoso sanduíche de pernil chega ao fim. Me despeço do Eduardo e da turma do balcão. Opus, Paladino, o saudoso Monteiro, ainda tem o espetacular Gaúcho na rua São José. É engraçado pensar que muito da minha vida carioca no Centro tem a ver com sanduíches. 


Depois do tchau, retomo o caminho pela Gonçalves Dias a caminho do VLT. Passa uma garota bonita, tão bonita que me lembra Gabriella. Voltemos ao sebo. 


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