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Wednesday, June 30, 2021

PIB x DESEMPREGO, UMA CONTRADIÇÃO?

Não. 

Mais uma lenda vai ao chão. 

A soma das riquezas do Brasil é também fruto de grandes conglomerados que proporcionalmente contratam poucos trabalhadores, ou já os demitiram em massa. Ou ainda os que simplesmente não precisam deles, caso do mercado financeiro. 

Para as finalidades matemáticas e contas nacionais, o PIB reage e oferece uma luz no fim do túnel. Para a realidade prática, a tal luz não existe hoje. 

As micro e pequenas empresas são responsáveis por mais de 95% do volume de negócios do país. Em geral, elas criam em torno de 70 a 75% dos empregos formais. Hoje, ou melhor, há anos, mas especialmente a partir deste desgoverno, elas estão esmigalhadas. Muitas foram fechadas e não vão reabrir. Outras operam com nenhum funcionário contratado ou muito poucos, e aí está o problema: o dinheiro se concentra na elite e não circula. Se você tem renda de 10 mil reais e eu nenhuma, a nossa renda per capita é de 5 mil reais, mas eu continuo passando fome. Multiplique esse cálculo por milhões e aí se entende o drama. 

Nada é feito no Brasil em termos de geração de emprego e renda reais. Com e sem pandemia, o Governo Federal vai terminar o terceiro ano em total estagnação sobre a questão do emprego, repetindo falácias tão estúpidas e mentirosas como as célebres "a reforma trabalhista vai gerar mais empregos" ou "a reforma da previdência vai gerar mais empregos". O máximo que o desgoverno produziu foi jogar para a informalidade milhões de pessoas em aplicativos de entrega e transporte, sem garantias, com imensas jornadas de trabalho e cada vez mais longe de seus trabalhos e formações de origem, em muitos casos. 

É claro que a crise energética tende a piorar as coisas, com a população economicamente enforcada tendo que pagar tarifas cada vez mais altas de luz.

Bem-vindos a 1921.

@pauloandel 

Nota: Informação da jornalista Miriam Leitão aponta que, apesar do empate percentual de 14,7% no gráfico abaixo, o desemprego aumentou em mais de 500 mil postos na última medição...

Friday, June 25, 2021

SDU

Acabou o expediente, a teórica semana útil e fomos para a Pastelaria Chic's lanchar pastéis com laranjada. Eu já tinha almoçado muito bem com a turma e Seu Jurandir, que agora é meu amigo e personagem de meu novo livro, incrível. 

Tivemos um bom dia de trabalho. 

Antes de chegar à Chic's, passamos no Guedes e pegamos alguns discos. Ele mesmo disse que já havia tomado uns tragos, mas que voltássemos na segunda para encontrar grandes CDs - não nos basta vender, nós colecionamos e municiamos colecionadores, então a arte do garimpo é interminável.

Pastelaria Chic's, 51 anos de vida, nasceu em pleno Médici, um desafio. Estive lá pela primeira vez em 1973, quando meu pai me puxava pela mão e um copinho de 300 ml parecia um balde. O ambiente é simples, pequeno e come-se velozmente em pé, mas uma coisa é certa: é o melhor pastel de toda a cidade. Seco, sequíssimo. A laranjada é alucinante.

Lanchamos, nos sentimos bem e fomos caminhando até o Largo da Carioca, onde CH pegou o metrô, Jocemar foi para as barcas e então fiquei só, na velha Avenida Central. 

Em vez de me trancar em casa, resolvi pegar o VLT. Sou fã do veículo, ao contrário de meu ídolo Fausto Fawcett. Rapidamente embarquei na Carioca e fui para o Santos Dumont.

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Poderia lanchar alguma coisa - eu estou sempre lanchando - eu tenho fome -, sacar dinheiro, tentar jogar na loteria ou utilizar ótimos banheiros, mas queria mesmo era fazer um breve passeio e espiar o que resiste da minha linda cidade. 

Se você nunca andou de VLT, vá. É um passeio maravilhoso pelo coração do Rio, um metrô com paisagens maravilhosas. 

Saltei no SDU, entrei no aeroporto e logo me deparei com o ir e vir de gentes, a maioria chegando apressada, louca para se  mandar pra casa. Eu, não: não estou indo nem vindo, apenas flanando num lugar bonito do Rio. Paro no corredor, há uma cadeira confortável e espeto o carregador no celular. Então Catalano me manda mensagens pelo WhatsApp e falamos de criaturas grotescas. O corredor está bem vazio. 

Descanso alguns minutos e vou para o Uber Lounge. As pessoas estão sempre apressadas mas ali tem uma das vistas mais bonitas do Brasil - e os aviões saem de um jeito que dá até medo, mas tudo dá certo.

Adoro exibir o meu lado punk nessas ocasiões: pessoas com roupas e malas de grife, falando em iPhones e desfilo com minha camisa preta rasgada, chinelos e bermuda batidíssima. Sempre me olham, esperando que eu peça alguma esmola e rio de tanta ignorância estampada nos olhares. 

Pertinho, um funcionário do local fala com sotaque nordestino carregadíssimo e rápido com seu filho pequeno, que diz ter apanhado de alguém na cara em cada. Nervoso, o pai começa a falar cada vez mais rápido, speed metal. Paro de prestar atenção, mas ele interrompe a ligação e repete "Gordim" dez vezes, até que um segurança lhe dá atenção. 

Antônio chega com seu carro para me levar para casa. Quando faz a curva perto da estação do VLT, a imagem é belíssima: os grandes prédios da Cinelândia e Glória, os da Avenida Beira Mar, elegância e mistério nas ruas silenciosas, luzes ao longe e tudo aquilo me remete a mais de quarenta anos, quando eu e Adão Lamenza Salama éramos levados pela Dona Célia de Copacabana até o Aterro do Flamengo para lanchar cachorro quente. 

O Rio sofre, tem varizes e cicatrizes, mas é bonito pacarai. 

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Araújo Porto Alegre deserta, o maravilhoso prédio da ABI vazio. Por enquanto. Ali é uma casa de lutas. 

Olhar a Cinelândia e sonhar com a volta do Amarelinho. Na outra quadra, o breve sonho da Livraria Cultura que se desfez. Muita injustiça. Nunca mais vi o Matheus, que me atendia muito bem por lá. Uma menina, acho que Natália, linda. 

Logo aparecem os Arcos da Lapa, iluminados com belas cores. O entorno está vazio porque não há Circo Voador nem Fundição, mas as barraquinhas de petiscos e bebidas seguem na luta. E depois dos Arcos os bares tentam reagir. Há movimento, claro. Não como antes, mas há. Parece até que dá uma pontinha de esperança e até o velho Capela tem gente entrando. Fui feliz ali muitas vezes, noutras muito admirei. Distraído que sou, certa vez cedi meu lugar no lavabo para uma gata sorridente e, só depois que ela saiu e riu de novo, é que percebi se tratar de Alessandra Negrini. Almocei lá com Elika e uma turma da pesada há uns dois anos, o Zê também estava, a Socialista Morena idem. 

Quando o carro passa da Inválidos, pelo menos os bares perto da minha casa sobrevivem: Galeto, Bar das Quengas, Gambino. Algumas pessoas nas mesas. É uma promessa. Na esquina, a Droga Raia melhorou a quadra, ficou mais espaçosa, limpa. Antônio fala alguma coisa do tempo que não para, do qual somos reféns e ele tem toda razão. Somos pedacinhos de água e carne indo e vindo na mão do tempo - arrogância para quê? 

Metros depois, me despeço do Antônio, prometo postar cinco estrelas para ele, leio boas mensagens da Marina, pego o elevador vermelho vazio, me dou conta que faço isso há mais de vinte anos. Foi outro dia, quando nem sonhava em publicar um livro. Vamos ao banho, à janta, a algum trabalho e a colocar sentido neste eterno presente em que vivemos. 

@pauloandel

Wednesday, June 23, 2021

João do Rio, 100 anos depois

Gomes Freire, Lavradio, Inválidos e arredores, duas da tarde de quarta-feira. Há exatos cem anos, esta região e a capital da República pararam, porque morrera João do Rio enquanto as ruas fervilhavam pela perda. Hoje, o Centro mal tem trânsito, as lojas morreram pela decadência econômica que já vinha antes da covid19 e piorou. Outro brilhante escritor, Jack Kerouac, veria aqui o mesmo cheiro de rua triste que encontrou ao escrever "Cenas de Nova York". 

Pelas ruas do Centro, o progresso e a miséria se esbarravam naquele tempo. Os cafés abarrotados, o ir e vir das gentes, enquanto ao largo dos caminhos os excluídos pediam socorro. A história se repete em 2021, mas não se sabe ainda do progresso que abraçará o Rio devastado. Acabaram de votar o projeto que faria o Centro renascer, mas por enquanto é só um disfarce para que as construtoras possam operar de novo em Copacabana, Ipanema e Tijuca. 

João do Rio viveu apenas 39 anos, mas que valeram por 80. De forma avassaladora, ele não apenas inventou o jornalismo formal carioca, mas foi o grande cronista fotográfico da cidade, do céu ao inferno, escrevendo de forma avassaladora e perene - seus textos continuam atualíssimos . E foi ele quem abriu o mundo para Ipanema numa crônica (que pode ter sido encomendada) sobre as maravilhas lunares do então areal. Como se sabe, deu certo. 

Estima-se que a morte de João do Rio tenha levado mais de 100 mil pessoas às ruas para seu cortejo fúnebre. Até hoje está no rol das grandes comoções cariocas, só não batendo a do Barão do Rio Branco, ocorrida antes. O próprio Barão vetou as pretensões de João do Rio em integrar a diplomacia, pois o candidato incorporava três vertentes que o preconceito não perdoa: obeso, negro e homossexual. Todas continuam em voga, horrorizado e humilhando a alma brasileira, mas os planos do Barão em ter um corpo diplomático 100% heterossexual já foram abaixo há tempos...

Ao mesmo tempo, não há como não pensar: há cem anos, um homem gordo, negro e gay parou a capital do Brasil pela força de sua importância, de seu talento, independentemente de suas relações com o poder constituído. João do Rio ganhou o país com seu texto e, depois deles, muitos foram os craques que se consagraram por seus escritos em jornais. Ok, nenhum deles teve um velório com cem mil pessoas, mas não se pode ganhar todas. 

Cem anos depois, o Rio agoniza e estende as mãos nas calçadas, dorme debaixo das marquises e revira latas vazias de lixo desesperadamente. Não há vagas. Os ricos estão mais ricos, enquanto os pobres estão cada vez mais humilhados. A busca pelas manchetes nas bancas foi trocada por vídeos de dancinhas no celular. Ainda estão rolando os dados, mas é difícil crer que todos caiam com a face seis para cima. Resta sonhar com uma reconstrução que não faz parte dos planos do empresariado, mais preocupado com o próprio bolso. 

Em algum lugar do imaginário, João do Rio desce a Gomes Freire saudando os transeuntes. Depois vira na Senado e, a seguir, na Lavradio, onde para para almoçar no Mangue Seco lotado, cheio de cavalheiros e damas elegantes, que ele aprecia de esguelha. Quando terminar a refeição, ele caminhará pela Praça Tiradentes em busca do esplendor perdido da região, aproveitando para pescar alguns livros nos sebos da região e especialmente  em um, que funciona no Edifício Riqueza e é cheio de livros sobre a cidade. No sexto andar há uma loja pequenina, humílima e abarrotada, onde ele pode tomar um café, conversar com os livreiros, apreciar a chegada de um famoso cineasta, escutar a fala rouca de um jornalista e, finalmente, ficar a par das novidades musicais pós-Pixinguinha, tudo enquanto espia a bela vista da praça à janela. Estamos em 2021, o que nos resta é sonhar.

@pauloandel

Wednesday, June 02, 2021

cuidado com as palavras

cuidado com as palavras. muito cuidado. 

as palavras são cristal: uma vez espatifadas, não são recuperadas. 

cuidado com as palavras que você escreve e diz. nada a ver com grafias e eventuais equívocos, pois o que importa é a qualidade da mensagem, mas com o teor delas. não perca seu tempo com a perfeição gramatical acima do que realmente importa. 

palavras podem destruir sentimentos. destruir amizades. afastar pessoas para sempre. 

palavras mal empregadas podem humilhar, deprimir, criminalizar e até levar ao suicídio. podem levar à morte, ao caos. 

não entender o significado das palavras, também. 

as palavras surgiram da necessidade de entender o outro e descrever o mundo. 

cuidado com as palavras. com o outro, com o próximo. todo mundo merece palavras dignas. 

ah, que ninguém se confunda: boas palavras não andam de mãos dadas com falso moralismo. palavrões podem ser muito mais saborosos do que formalismos flácidos.

essa terra já está lotada de gente que despreza o outro, o próximo. isso vai contra os princípios da humanidade elementar. as palavras podem ajudar na aproximação das pessoas, talvez colaborando para que os seres voltem a ser humanos coletivamente falando. 

cuidado com as palavras é cuidado com o próximo, com a vida, com o mundo. 

veemência não precisa ser truculência. incisivo não quer ser estúpido. firme não precisa ser escroto. energia não deve significar grosseria. elegância não é falsidade. 

se nada disso tiver utilidade, talvez uma breve reflexão a tenha: quando alguém usa palavras agressivas, dificilmente deixa de se incomodar quando elas voltam contra si. 

cuidar das palavras é combater a cólera, o ódio, a injustiça, a desigualdade. tentar deixar essa terra um pouco melhor antes de morrer. 

só. 

@pauloandel