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Monday, May 29, 2023

A última segunda-feira de maio

Chove. 

Começa a semana e chove. É o fim de maio que se avizinha numa segunda-feira cinzenta. A última segunda-feira de maio.

Há quem possa ficar em casa e também quem fique por não ter um níquel para ir à rua. O desemprego é um drama. 

Com a chuva tudo fica mais difícil. As pessoas se esbarram nas calçadas, os ônibus e trens ficam ainda mais alinhados, o trânsito se complica e, claro, logo se vê bueiros entupidos e pequenos alagamentos. Um deles é famoso no Centro por já existir há décadas, na esquina da Rua dos Inválidos com Henrique Valadares: basta cinco minutos de chuva razoável e o caos se instala. 

E naturalmente a chuva esvazia ainda mais as ruas já abandonadas do Centro. Fala-se de dez mil unidades fechadas entre salas e lojas, e aí pode se estimar cerca de cinquenta a sessenta mil pessoas, talvez cem mil pessoas a menos em circulação na região. Dois Maracanãs cheios. Por outro lado, muito se fala sobre o retrofit de prédios antigos, mas grande parte deles só têm um banheiro por andar - como fica a questão hidráulica para renovar as edificações? 

Na televisão da vitrine da loja de eletrodomésticos, a comoção pelo terrível assassinato do ator Jeff Machado, encontrado dentro de um baú concretado a dois metros de profundidade numa casa em Campo Grande. Novas informações parecem encaminhar o desfecho das investigações. E também pelo não menos doloroso assassinato de Lindaci Carvalho, envenenada com bombons por motivo de ciúmes. Cada vez mais a perversidade aumenta. 

Uma boa notícia: a cassação de Marcelo Crivella pela Justiça Eleitoral, tornando-se inelegível por oito anos por abuso de poder econômico. Crivella foi, sem dúvida, o pior prefeito da cidade do Rio de Janeiro em todos os tempos.

O Rio entra em estágio de alerta por causa do tempo. 

Os pontos de ônibus no Centro estão esvaziados. Há poucos veículos em circulação. 

Em compensação, as latas de lixo são o alvo dos desesperados catadores e famintos. É o que resta. 

Do outro lado da região, negócios imobiliários vão de vento em popa. A gentrificação vem com toda força e só os mais abobados terão vez. 

Completamente alheios aos acontecimentos, dois garotos que não se conhecem cruzam um o caminho do outro na Rio Branco, perto da Associação dos Empregados no Comércio. Um deles, descalço na chuva e com a camisa de um time de futebol estrangeiro, carrega uma caixa de Mentos para vender aos transeuntes. O outro, com um par de tênis humílimos, traz à mão uma caixa de engraxate. Ao mesmo tempo em que são desconhecidos, eles são tão semelhantes: dois garotos que deveriam estar estudando e brincando, mas ali estão lutando pela sobrevivência num país tão desigual que chega a ser desumano. 

Perto dali, na Padaria Boulos, alguns fregueses tomam café. As pessoas estão cabisbaixas, silenciosas. O frio traz certa melancolia mas não é só ele: o cenário carioca ajuda na depressão. Há mesas disponíveis. Numa delas, um senhor de talvez cinquenta e poucos anos deixa escorrer diversas lágrimas enquanto sorve uma caneca de café com leite. Talvez seja um homem doente ou solitário, quem sabe faminto ou à beira do suicídio? Quem sabe não seja nada disso. Ninguém sabe. 

Chove e o coração da cidade não abraça os batalhões de estranhos, que vêm e vão pelas calçadas cheias de indiferença e abandono. 

Ninguém liga. 

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