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Sunday, April 14, 2024

Para voltar no tempo

Neste exato instante eu gostaria de encontrar com meu amigo Fred e partir para o supermercado, não qualquer um, mas Supermercado Leão. Lá chegando, a gente compraria pão francês, Coca-Cola ou Pepsi - dependendo do Fredão - e pasta de pão Alouette de ervas finas, tudo para fazer sanduíche quando chegássemos na casa dele e, depois, jogarmos um carteado daqueles de gastar à tarde, quando você tem 18 ou 19 anos de idade e, claro, não tem emprego nem ocupação afora o estudo. 

Queria também que o Gustavo nos ligasse e, de repente, aparecesse  com aquela sacola cheia de discos que ele carregava, LPs maravilhosos e capas antológicas, e tome Kraftwerk, Rolling Stones, Level 42, Yes, Genesis e tudo mais que você possa imaginar. 

Eu queria também estar na casa do Ricardinho bem tarde da noite, enquanto ele Fred se digladiassem numa batalha de Atari - Enduro, Pitfall, Space Invaders. Nunca joguei nada, sempre fui uma pereba em diversões eletrônicas e nem participava, mas gostava de ver. Sempre gostei. Geralmente a gente saia de lá à meia-noite, talvez uma da manhã e vinha solitariamente pela Santa Clara, até entrar na Boca do Lobo, ganhar o Bairro Peixoto deitado em silêncio esplêndido, depois voltar para casa. 

Acho que eu queria mesmo era estar por volta das seis da tarde de sábado no Bar Sniff’s, depois da reunião dos escoteiros. A gente sempre se reunia por lá para bater papo, trocar ideias. Os frequentadores mais velhos sempre nos escutavam e nos davam atenção, a gente ria com as galhofas e piadas típicas dos anos 1980 e ficava ali até nove ou dez da noite, nem saía, era nossa diversão muitas vezes. 

Sei lá, eu queria agora descer e caminhar tranquilamente pela Figueiredo Magalhães até chegar na praia, depois caminhar ao lado do Atlântico Sul até chegar na Francisco Otaviano, subindo toda e encarando as pedras do Arpoador. Quantos poetas fizeram isso, né? Cazuza deixou isso registrado em “Faz parte do meu show”. 

Há uns 15 anos ainda tive chance de pegar os últimos momentos do Cirandinha, lanchei lá várias vezes com colegas dos tempos de escola. A comida era impecável e o ambiente refinado. Muitas senhoras marcavam chás para se reunir e conversar, enfim, encontrar as velhas amigas. A gente se sentia bem em casa, seria bom estar lá agora. 

Quer saber? O que eu queria mesmo, mesmo, bem lá no fundo, era ser bem pequeno para passear com meu pai quando ele me dava a mão. A gente caminhava pela rua muitas vezes. Nós não tínhamos destino, a gente simplesmente saia de casa, dava uma volta por algum lugar do universo Copacabana, lanchava alguma coisa e retornava. Foi assim que eu descobri os nomes das ruas, dos prédios e dos lugares. Geralmente era aos sábados à tardinha. E quando você tem a mão do seu pai para segurar, viver é muito mais fácil. 

Querer tudo isso é impossível. É voltar ao passado, ressuscitar quem já se foi e ter a verdadeira chance de voltar para casa. Eu sei que é impossível, que viver é melhor que sonhar, mas numa noite melancólica e silenciosa talvez só o sonho possa me estender os braços. 


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