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Friday, June 25, 2021

SDU

Acabou o expediente, a teórica semana útil e fomos para a Pastelaria Chic's lanchar pastéis com laranjada. Eu já tinha almoçado muito bem com a turma e Seu Jurandir, que agora é meu amigo e personagem de meu novo livro, incrível. 

Tivemos um bom dia de trabalho. 

Antes de chegar à Chic's, passamos no Guedes e pegamos alguns discos. Ele mesmo disse que já havia tomado uns tragos, mas que voltássemos na segunda para encontrar grandes CDs - não nos basta vender, nós colecionamos e municiamos colecionadores, então a arte do garimpo é interminável.

Pastelaria Chic's, 51 anos de vida, nasceu em pleno Médici, um desafio. Estive lá pela primeira vez em 1973, quando meu pai me puxava pela mão e um copinho de 300 ml parecia um balde. O ambiente é simples, pequeno e come-se velozmente em pé, mas uma coisa é certa: é o melhor pastel de toda a cidade. Seco, sequíssimo. A laranjada é alucinante.

Lanchamos, nos sentimos bem e fomos caminhando até o Largo da Carioca, onde CH pegou o metrô, Jocemar foi para as barcas e então fiquei só, na velha Avenida Central. 

Em vez de me trancar em casa, resolvi pegar o VLT. Sou fã do veículo, ao contrário de meu ídolo Fausto Fawcett. Rapidamente embarquei na Carioca e fui para o Santos Dumont.

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Poderia lanchar alguma coisa - eu estou sempre lanchando - eu tenho fome -, sacar dinheiro, tentar jogar na loteria ou utilizar ótimos banheiros, mas queria mesmo era fazer um breve passeio e espiar o que resiste da minha linda cidade. 

Se você nunca andou de VLT, vá. É um passeio maravilhoso pelo coração do Rio, um metrô com paisagens maravilhosas. 

Saltei no SDU, entrei no aeroporto e logo me deparei com o ir e vir de gentes, a maioria chegando apressada, louca para se  mandar pra casa. Eu, não: não estou indo nem vindo, apenas flanando num lugar bonito do Rio. Paro no corredor, há uma cadeira confortável e espeto o carregador no celular. Então Catalano me manda mensagens pelo WhatsApp e falamos de criaturas grotescas. O corredor está bem vazio. 

Descanso alguns minutos e vou para o Uber Lounge. As pessoas estão sempre apressadas mas ali tem uma das vistas mais bonitas do Brasil - e os aviões saem de um jeito que dá até medo, mas tudo dá certo.

Adoro exibir o meu lado punk nessas ocasiões: pessoas com roupas e malas de grife, falando em iPhones e desfilo com minha camisa preta rasgada, chinelos e bermuda batidíssima. Sempre me olham, esperando que eu peça alguma esmola e rio de tanta ignorância estampada nos olhares. 

Pertinho, um funcionário do local fala com sotaque nordestino carregadíssimo e rápido com seu filho pequeno, que diz ter apanhado de alguém na cara em cada. Nervoso, o pai começa a falar cada vez mais rápido, speed metal. Paro de prestar atenção, mas ele interrompe a ligação e repete "Gordim" dez vezes, até que um segurança lhe dá atenção. 

Antônio chega com seu carro para me levar para casa. Quando faz a curva perto da estação do VLT, a imagem é belíssima: os grandes prédios da Cinelândia e Glória, os da Avenida Beira Mar, elegância e mistério nas ruas silenciosas, luzes ao longe e tudo aquilo me remete a mais de quarenta anos, quando eu e Adão Lamenza Salama éramos levados pela Dona Célia de Copacabana até o Aterro do Flamengo para lanchar cachorro quente. 

O Rio sofre, tem varizes e cicatrizes, mas é bonito pacarai. 

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Araújo Porto Alegre deserta, o maravilhoso prédio da ABI vazio. Por enquanto. Ali é uma casa de lutas. 

Olhar a Cinelândia e sonhar com a volta do Amarelinho. Na outra quadra, o breve sonho da Livraria Cultura que se desfez. Muita injustiça. Nunca mais vi o Matheus, que me atendia muito bem por lá. Uma menina, acho que Natália, linda. 

Logo aparecem os Arcos da Lapa, iluminados com belas cores. O entorno está vazio porque não há Circo Voador nem Fundição, mas as barraquinhas de petiscos e bebidas seguem na luta. E depois dos Arcos os bares tentam reagir. Há movimento, claro. Não como antes, mas há. Parece até que dá uma pontinha de esperança e até o velho Capela tem gente entrando. Fui feliz ali muitas vezes, noutras muito admirei. Distraído que sou, certa vez cedi meu lugar no lavabo para uma gata sorridente e, só depois que ela saiu e riu de novo, é que percebi se tratar de Alessandra Negrini. Almocei lá com Elika e uma turma da pesada há uns dois anos, o Zê também estava, a Socialista Morena idem. 

Quando o carro passa da Inválidos, pelo menos os bares perto da minha casa sobrevivem: Galeto, Bar das Quengas, Gambino. Algumas pessoas nas mesas. É uma promessa. Na esquina, a Droga Raia melhorou a quadra, ficou mais espaçosa, limpa. Antônio fala alguma coisa do tempo que não para, do qual somos reféns e ele tem toda razão. Somos pedacinhos de água e carne indo e vindo na mão do tempo - arrogância para quê? 

Metros depois, me despeço do Antônio, prometo postar cinco estrelas para ele, leio boas mensagens da Marina, pego o elevador vermelho vazio, me dou conta que faço isso há mais de vinte anos. Foi outro dia, quando nem sonhava em publicar um livro. Vamos ao banho, à janta, a algum trabalho e a colocar sentido neste eterno presente em que vivemos. 

@pauloandel

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