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Tuesday, May 18, 2021

Lou & Patti

Quando Lou Reed morreu, Patti Smith escreveu uma linda e comovente carta. Num dos trechos, disse: 

"Ele era nossa ligação com o ar infame da Factory. Ele fez Edie Sedwick dançar. Andy Warhol sussurava em seu ouvido. Lou trouxe as sensibilidades da arte e literatura para a sua música. Ele era o poeta de Nova Iorque da nossa geração, defendendo os desajustados como Whitman havia defendido os trabalhadores e Lorca os perseguidos."

Eu conheci Lou Reed aos 13 anos, em 1982, quando ele já era uma referência mundial. Foi de maneira insólita: meu amigo Fred, que já era grandão e gordinho, pediu para que eu fosse com ele buscar duas calças jeans que havia encomendado no Rey das Calças, no coração de Copacabana. Fred estava com um disco do Judas Priest na mão. Ao chegarmos lá, rolou um papo de rock com o vendedor, entrou o Judas e no fim ele disse que Lou era uma "bicha maravilhosa". Tempos depois, é claro que aquela informação não fazia a menor importância: éramos de Copacabana, os gays estavam por toda parte e nunca sofri qualquer assédio. Ok, um vizinho tinha a mania de ficar piscando para mim no corredor, mas depois que me viu de mãos dadas com Patrícia, sossegou. Tudo bem. 

Anos depois, quando pude, comprei CDs de Lou Reed, li suas histórias loucas e ótimas, sua poesia rascante e crua - como deve ser. Mais de meio século depois, toda banda de rock alternativo tem um quê do Velvet Underground, nome e referência eterna. 

Lembro que estive numa exposição do CCBB sobre a soturna Nova York que atravessou as décadas de 1960 e 1970, temperadas pela desilusão e drogas pesadaças. Muitas fotos da época, várias de Robert Mapplethorpe, artista genial por quem Patti Smith era apaixonada. Outras tantas do Velvet com Nico, a charmosa cantora, Andy Warhol com sua divertida bitchness, e ainda outras de ninguém: ruas desertas, sombrias, tudo em delicado preto e branco. 

Ainda o Velvet Underground: sobreviveram apenas a baterista Mo Tucker e o incansável John Cale. Sterling Morrison se foi cedo, Lou Reed ainda aguentou o tranco e fez grandes álbuns. Gosto até do que ele fez com o Metallica, odiado por quase todo mundo. Já Patti Smith eu consegui ver ao vivo no Tim Festival em 2006, graças ao ingresso que meu amigo Bruno Saraceni me deu. Também vimos juntos os fabulosos Beastie Boys num show demolidor. 

Alguma coisa da noite atual do Centro do Rio me remete àquela exposição sobre Nova York. Temos ruas desertas, decadência, violência, desesperança. Fica faltando descobrir onde estão nosso Velvet Underground, nossa Patti Smith e, claro, Robert Mapplethorpe. Eles saíram de uma enrascada enorme, servem de bom presságio para nós. Lou Reed continua sendo uma força da natureza, com sua poesia de nocautes. 

@pauloandel

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