I
Haja o
que houver, Copacabana é eterna. Quatro da tarde, as calçadas da
avenida-mãe apinhadas, ir e vir de gentes de todos os planetas. Dois
garotos completamente entorpecidos pelo crack passam apressados e são
estandartes de um Brasil assustador, real e tristemente crescido.
Dois nordestinos falam tão alto que até abafam o ruído dos cem mil
veículos deslizando no asfalto. É Posto Seis.
Paro e
penso num lanche. Kicê, onde certa vez Mick Hucknall, o cantor do
Simply Red, deu uma banana para a imprensa: saiu pelos fundos do
Othon, parou na esquina e pediu um caldo verde. Todo mundo achou
normal, menos os repórteres, sempre a imaginarem ser acima do que
realmente são. Djalma Ulrich, Miguel Lemos, Xavier da Silveira, tudo
é um mundo.
Um
misto-quente inigualável. Pão tostado, queimadinho, queijo e
presunto de primeira, mais uma laranja batida. E o atendente não
tira os olhos da moça ao lado, nem tão grande coisa assim mas
absolutamente pegável (entendo que as mulheres não aceitem bem esta
sentença). Um é pouco, acaba logo, peço outro. Dois é razoável.
O preço é caro, quinze reais, agora sou turista e pago satisfeito.
Lá está a moça a sorver seu último gole de
suco-de-qualquer-coisa, o atendente louco para dançar um forró com
ela a dois, nus, felizes. E eu ainda perco meu tempo com paixões
inúteis...
II
Almirante
Gonçalves. Outro dia mesmo parei por ali. Dez anos, talvez. Meio
praça, meio rua, meio caos. Delicadezas poético-autofágicas de
Copacabana.
A
cidade-bairro parece um tanto esvaziada, talvez pelo frio, talvez
pela sexta-feira ou a falta do pagamento nas contas bancárias. No
fundo, frio mesmo. Mas é sempre bom revê-la. Depois de tantos anos,
entendi que mudar ou não de Copacabana não faz diferença – o
ideário local jamais sai de dentro de seus habitantes ou moradores
ou vampiros urbanos.
Musicale
da avenida Copacabana. Discos diversos. Alguns preços muito bons,
outros muito ruins. Youssou N'Dour a três reais, captei no ato.
Outro foi caro, mas eu já cobiçava há tempos: a versão dos
Flaming Lips para “The dark side of the moon”. Férias.
Meia-hora, uma hora inteira. Ainda gosto de música.
Ainda
tentei pegar os últimos vestígios da Satisfaction, mas já tinha
fechado às cinco da tarde.
III
Uma
garota muito - mas muito! - gostosa e com uma cara de puta, melhor
dizendo, garota de programa, desculpem a grosseria para espelhar
realidade, está parada na entrada do condomínio Alaska. Não tenho
como deixar de olhá-la e incrivelmente ela me sorri, devido aos meus
trajes de índio urbano. Ela pode ter pensado que eu poderia ser um
cliente em potencial. Dane-se, gostei assim mesmo. Mas era tudo
fantasia: segundos depois, um Corsa (para alegria dos meus amigos dos
tempos de faculdade) para em frente, buzina e ela corre para ver o
namorado. Ou marido. Ou cafetão.
Alguém
me disse que os gordinhos estão na moda. Poderia ser assim. Quem
sabe?
Não sei
explicar ao certo porque faço mais sucesso com as mulheres hoje, com
122 quilos, do que nos tempos em que era um exímio jogador de
futebol de praia e corredor, 76 quilos. Não falam tanto de fitness
e corpos sarados e sei-lá-o-quê?
IV
Paro numa
lan house, os garotos não param de falar em suas máquinas e isso
chama atenção. Vão aos locais do ramo como se estes fossem os
shopping centers do século XXI. E os pais não querem turba de
crianças em casa – eles têm mais o que não fazer, como por
exemplo assistindo programas insípidos na tevê fechada, discutindo
a relação, reclamando das contas a pagar ou traindo o
companheiro-companheira-qualquer coisa com torpedos via celular.
Não
gostei dos e-mails que li. Nem respondi.
Não
gostei do que não vi. Faz falta.
Hora de
jantar. Adeus, computador.
V
O outro
tesouro bom de Copacabana: restaurantes a quilo abertos de noite.
Ideal para rapazes que têm namorada há anos mas são profundamente
solitários no começo da noite de sexta-feira - igual a tantos e tantos outros casais que, na verdade, são apenas duetos de solidão. Ou os que esperam amores
impossíveis nesta primavera fria que não tem muito sentido, tipo o
de um e-mail inútil. Mas é melhor do que ficar eternamente feito um panacão babando ao lado de quem dorme em muitas outras camas.
Outra
garota morena alucinante de calça colante, do tipo que Caldeira
faria piada. Coxas extraordinárias, super-bunda. Namorado fortão à mesa, de camiseta nestes tempos gelados, mostrando todo o bom resultado dos anabolizantes. Ou marido. Ou cafetão.
Copacabana é sempre um um mural de grandes incógnitas.
Não
coloco muita comida no prato. Por que será que estamos sempre
comendo? Deve ser para aliviar a alma. Ou para pegar o primeiro táxi
que venha pelo caminho, preferencialmente pagando o dobro do cobrado
no taxímetro.
VI
Rua
Ministro Viveiros de Castro, quase esquina com Prado Júnior. Posto
Um.
“Art-Noveau
da natureza, jazz!”.
Copacabana
não me engana. Nem falha.
"A luz do grande prazer é irremediável neon".
O futuro
é uma quase-noite de sexta-feira.
Dane-se a
paixão. Fausto Fawcett sabe tudo. Djavan também.
Paulo-Roberto
Andel
@pauloandel