Somos
batalhões de estranhos, uns alheios aos outros, vários alheios a
tudo em pleno coração da cidade carioca. Era assim numa canção de
Marcelo Nova.
As ruas
estão abarrotadas, gente num ir e vir como se o mundo desse sua
última volta do ponteiro. E tome filas, compras, vitrines, promoções
ilusórias, fome, comida, malabaristas, animadores de rua,
engraxates, mendigos, mendigos, mendigos, sucessos populares. E tome
conversas importantes, pecaminosas, rústicas, papo furado. E tome
rancor, discórdia, certa alegria, piadas, risos de uma vida da qual
nada se leva.
Eu visto
meu bermudão azul, chinelões de dedo feito aqueles que eu tinha
medo quando criança, a camisa amarela que me faz lembrar de Ary
Barroso e uso meu passaporte de transeunte. Um zé-ninguém, sem rumo
nem plano, um ermitão em férias longe do melhor amor e cercado de
pequenos amores empolgantes. E desço a avenida Chile, a Almirante
Barroso e posso parecer um pobretão que incomoda as vistas dos
bem-engravatados executivos, muitas vezes vistos nos restaurantes
caros e cafés sofisticados - mas também em puteiros muito
conhecidos da região.
Falta
pouco para o inverno dar adeus. Já começam os dias quentes da
primavera, mesmo que hoje em dia as estações do ano pareçam um
pouco confusas por conta da destruição da natureza. Os casacos
dormem nos armários, as camisetas estão de volta. Menos mal para os
sofredores das ruas, tendo mais lugares para dormir e vivenciar a
estranha miséria humana de um mundo cheio de dinheiro, poderes e
pouquíssima solidariedade.
Turistas
solitários, garotas apaixonantes, cocaína à vista, crack nas
esquinas barra-pesada. Shopping centers cheios de gente fazendo papel
de cachorros diante da frangueira de uma padaria. Love is not for
sale! As bibliotecas vazias, não se diz o mesmo das charmosas
recepções das livrarias de grande porte, normalmente cheias de
candidatos à intelectualidade folheando livros que talvez nunca
leiam – ou comprem. Nas bancas de jornais, nenhuma manchete
empolgante. Ainda vivemos a dor de mais uma chacina imbecil, onde os
jovens negros e pobres matam outros jovens negros e pobres sem
qualquer outro sentido que não seja o de fortalecer bandidos
poderosos – estes, muito longe do front de batalha.
Os
travestis estão recolhidos e só ganharão as ruas à noite. As
garotas de programa fazem a festa com os clientes na hora do almoço.
Os moteis têm burburinho nas garagens. Cheios ou vazios, os bancos
lucram. Perto da calorenta e amada Central do Brasil, o hospital
Souza Aguiar continua não atendendo bem seus pacientes, como nos
últimos trinta anos. Na Barão de São Félix, alguém fica louco
com um cachimbo de crack, mas nem tudo está perdido porque o Sentaí
tem uma lagosta admirável. Um corre-corre é comum na rua do
Riachuelo. Alguém terá um infarto fulminante em minutos.
Tenho
fome. Penso no almoço. Tenho sede. Ficará para depois. Leo manda
uma mensagem no celular e reclama da fila de banco. Mais tarde,
tomarei um café com Jorand. Tenho também sede de amor, mas isso é
efêmero e desimportante. Logo virá uma tarde de inverno com a cara
da primavera. Ir e vir, rir e sonhar, transitar do nada para lugar
nenhum. Espiar as coxas das belas mulheres na avenida Rio Branco.
Escutar a última história surreal de Alvaro Doria. Esperar os
companheiros para a gravação do programa de futebol. Especular um
novo livro. Não, Ursula não telefonará. Nem Juliana. Nem Taty.
Antes de trabalhar, ouvir jazz. Quantos dias ainda restam para o
último? Tomara que uma tonelada.
Tudo isso
e muito mais ecoa no coração da cidade. A minha cidade.
É a primavera à espreita.
Paulo-Roberto Andel
Paulo-Roberto Andel
@pauloandel
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