Tuesday, July 14, 2009

O TEMPO NÃO PARA, COM OU SEM ACENTO
















Veio julho, e já chega à sua metade. Os tempos correm.

Dia desses mesmo, eu era um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e naufragado no coração da grande metrópole. O dinheiro continua fugido; os parentes renunciaram. O meu amor virou outro amor, depois outro amor, e agora é outro amor do mesmo nome. Daqueles de um segredo de liquidificador.

Falarei de Cazuza. Um dos grandes poetas de sua geração, que escolheu a música e o canto como forma de expressão. Esqueçam de boemias, homoafetividades e drogas ilícitas – as lícitas, também. A magnitude da obra está acima de tudo, não vê quem não consegue... por conta de alguma grande limitação a ser explicada.

Que prejuízo tê-lo ausente por dezenove anos, completados semana passada. Certamente, teria escrito uma coletânea de canções capazes de reavivar a memória coletiva brasileira, tão perdida para qualquer coisa além de quinze minutos atrás. Quem se lembra do Sivam? Da reeleição de FHC? De Collor? De Marcello Alencar? A chacina da Candelária? Vigário Geral? O caótico tráfego aéreo brasileiro? O apagão? Pois é, cronista urbano que era, Cazuza teria dado conta direitinho do recado. A ponta de sua caneta faz falta.

Meus dez leitores, seis amigos e cem conhecidos bem sabem de minha opinião a respeito da soberba, enorme soberba, exercida por parte da intelligentzia literária brasileira, sempre disposta a exorcizar qualquer poesia que esteja próxima da música. Tamanha barbárie intelectual gera situações patéticas, como a de se analisar a diferença produtiva entre um Vinicius de Moraes “poeta” de um Vinicius “letrista”. Havia um só Vinicius: o gênio. O resto depende de cada manifestação. Rio quando vejo os despautérios propagados por mortos-vivos como Alexei Bueno: desancar a genialidade de Arnaldo Antunes e Caetano Veloso beira o patético. Birra de garoto dono da bola que não é titular na pelada de rua. O principal problema é que os “exclusivamente” literatos morrem de ciúmes da popularidade de alguns poetas da música, e daí vem a indesejável rixa. Uma simples batalha egocêntrica, que nada tem a ver com a qualidade da produção de poesia convencional ou musical.

Como questionar versos de um poeta como “Dias sim, dias não/ Eu vou sobrevivendo sem um arranhão/ Da caridade de quem me detesta”? Ou “Senhoras e senhores/ Trago boas novas/ Eu vi a cara da morte/ E ela estava viva”? Ou ainda “Porcos num chiqueiro/ São mais dignos que um burguês/ Mas também existe o bom burguês/ Que vive do seu trabalho honestamente/ Mas este quer construir um país/ E não abandoná-lo com uma pasta de dólares”. Cazuza é de uma genialidade agregada a um delicioso deboche, um humor irônico como visto em poucos grandes das nossas letras. Poderia perfeitamente ter publicado seu cancioneiro sob forma poética, exclusivamente – e teria grande sucesso, exceto pelo rancor de meia-dúzia de fanfarrões autoritários, supondo-se alicerces da cultura nacional.

É lamentável ver que deixamos de ter Cazuza vivo em letras há quase vinte anos. Mas é sensacional também ver que, quase duas décadas depois, sua obra permanece com todo o vigor de quando foi lançada: doce, furiosa, provocante e engraçadíssima, entre amores, a cidade e a incontestável pluralidade do ser.


Paulo-Roberto Andel, 14/07/2009

6 comments:

  1. Valeu, Andel: Viva Cazuza!!!
    Sou fã incondicional de suas letras e músicas. E como faz falta!
    Abraços, Pedro

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  2. Meu caro Paulo!
    E eu apesar da saudade sou feliz pois vivi e vivi momentos incríveis com a minha antiga banda de garagem tocando belas letras e músicas desse inesquecível gênio chamado "CAZUZA"
    Aquele abraço!

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  3. Uma Ode a um sujeito genial.
    Dizem que todo gênio é extravagante!!
    Sua (do Andel)poesia e sua (idem) prosa são muito boas.
    Abraços
    Luiz Ramos

    PS. Paulo,
    Você não está botando link para seus assuntos em seu Twitter.
    É assim mesmo que Você quer deixar?

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  4. Paulo,
    É,que gênio,e suas letras tão atemporais.Eu ganhei um DVD dele,e é bárbaro...
    Abraço,

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  5. Cazuza não morreu e Paulo Andel está vivo!

    Parabéns pelo texto!

    bjs bjs

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  6. Meu professor Cazuza super letrista poeta genial e faz falta mesmo pois quantas outras letras já teria nos ofertado durante esses 19 anos.

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