CAPELINHA, PARMÊ E MICHELUCCIO
NAQUELE TEMPO éramos duros mas nos divertíamos. No começo da 28 de setembro havia aberto a filial carioca da pizzaria Micheluccio, que começamos a frequentar e infelizmente durou pouco tempo - a pizza era maravilhosa. Depois descobrimos a Parmê e virou uma febre de bater ponto regularmente.
À noite o negócio era o Capelinha, frequentado no passado por ninguém menos do que Noel Rosa. Uma vez, Martinho entrou no bar - tocadaço - e nos disse "Boa noite, rapaziadaaaaa". E foi pro banheiro. O almoço também era excelente.
Comecei em Vila Isabel em 1990, por falta de dinheiro. Ficava apertado ir e voltar todo dia duas vezes para as aulas, então algumas vezes eu ficava direto até à noite, das 7 às 21:30h. O almoço, baratinho, num restaurante da rua Sousa Franco - você pagava um fixo e comia o quanto quisesse - tinha que comer muito para aguentar até à noite. Depois caminhávamos, normalmente por Vila Isabel ou Grajaú, até a Tijuca mesmo. Ou voltávamos para a UERJ. Em sextas notívagas com nossas crushs, saíamos à meia noite da Praça Sete, caminhando as pé em bando até a São Francisco Xavier, na porta do campus. Colocávamos as garotas no ônibus e voltávamos para casa. Quase ninguém tinha carro, mas começamos a receber tickets refeição e era o que bastava. Foi de 1990 até mais ou menos 1994, aí nos separamos por causa do trabalho e porque a vida é desse jeito.
Às vezes sozinho à tarde, eu ouvia o disco novo de João Gilberto no walkman, além do programa de jazz do Jô Soares, que foi um professor musical pra mim.
Nem de longe dava para pensar que nosso playground do início da vida adulta se transformaria numa praça de guerra diária, com tiroteio para todos os lados.
CINDY
Hum, sonhei com a Cindy. De novo. É uma história muito louca, porque nunca nos beijamos, não por falta de vontade, mas por loucura mesmo - acho que era. Eu a vi uma vez na faculdade e fiquei louco por ela, mas só nos conhecemos um ano depois e mantivemos alguns anos de contato, com raríssimos encontros. Acontece que ela não era apenas linda, mas extremamente sexy, então me dava um tesão enorme, enlouquecedor. Foi a garota que eu mais vezes transei em sonho na vida, não sei ao certo sobre a recíproca, mas creio que tenha tido prazeres pensando em mim. Então não dormi muito, mas foi o suficiente para transar muito em sonho e, quando você acorda, vê que nada daquilo é real mas é impressionantemente verdadeiro - você sente nos lábios o gosto do prazer cumprido, só que imaginário. Acho que devíamos ter vivido muitas coisas, ela não quis, agora é tarde demais. Ou não. Tudo bem. Eu penso em Cindy, eu tenho boas sensações por causa dela. Não importa se não é a vida real: viver é melhor que sonhar, mas não se pode vencer todas as batalhas. O tesão permanece.
SPRITE
Ainda bêbado de êxtase por causa de Cindy, acordei às cinco e meia, tomei banho e desci para o posto am/pm da outra esquina. Havia uma super promoção: latas de refrigerantes a dois reais, litro e meio de mate a cinco, pão de queijo a cinco. Gastei vinte reais e fui muito feliz.
Estou cansado. Preciso de um cochilo. Hoje estou de meia folga, vou encontrar amigos geniais dos tempos da escola e, depois de meses, voltarei ao Maracanã. Ainda que não seja mais o velho estádio que frequentei, ele ainda tem um significado forte. Tem o Fluminense, tem a história, meus tempos de faculdade ali do lado, grandes cenas de 1988 a 1996.
Daqui a dezessete horas, terá passado mais um dia. Eu terei uma lata gelada de Sprite e já saberei o foi feito do Flu. Virá o final de semana, daqueles que a gente fica esmolando moedinhas de felicidade e pequenos momentos divertidos. Se é o que temos, que assim seja. Tomara que seja um dia bom, só um pouquinho, no meio dessa terra cheia de sofrimento, guerras, genocídios e rancor.
@p.r.andel