Sunday, August 18, 2024

PARA SER GAROTO

"Você tem que ser maduro. Tem que ser adulto. Agir conforme a sua idade. Se manca! Não seja ridículo!"

Eu não. Nunca fui adulto direito. Tive e tenho todas as responsabilidades, pesos, decepções, angústias e aflições inerentes à vida adulta, mas sinceramente nunca foi a minha. 

Sempre quis ser garoto. De certa forma, continuo assim, embora minha vida adulta seja tão precária, arriscada e precisando de muitos cuidados. 

Eu queria ser sempre garoto pra jogar bola na praia escura de noite, jogando na intuição da areia deserta.

E claro, poder ter pai e mãe, mesmo com todos os problemas que tínhamos para sobreviver. Só em tê-los por perto seria maravilhoso. 

Ainda me sinto garoto quando posso ver desenhos animados, ou rever alguma série antiga no YouTube. Garoto para sentir falta dos meus cinemas de rua, todos mortos agora. 

Longe de ser fácil, minha vida tinha futuro quando garoto e isso faz toda a diferença. Havia muito a ser feito. Continua havendo, o problema é que a ampulheta já derrubou muita areia. Bom, sigamos com as armas possíveis. 

Ser garoto em Copacabana era diferente de tudo, incomum, mas ao mesmo tempo normal demais. Eu perseguia as ruas sem nenhum tostão, decorava os nomes das ruas, dos prédios, das garotas bonitas de cada quadra. Andava muitas vezes sozinho. Espiava lojas antigas, imaginando quanta gente havia passado por ali. 

Boa parte do meu tempo de garoto e adolescente foi vivido numa casa, a do meu amigo Fred. A ele devo o aprofundamento do meu gosto musical. Ele comprava muitos LPs e ouvíamos - deve ser estranho explicar aos jovens que os jovens de 40 anos atrás se reuniam para ouvir música. Mais tarde, menos garoto, foi na casa do Luiz que joguei muitos campeonatos de botão e ri bastante.

Garoto, fiz acampamentos escoteiros inesquecíveis. Também assisti shows esplêndidos, dos maiores. Pratiquei esportes, namorei, tive uma vida até boa, ao mesmo tempo que sofria por tanta coisa.

Eu queria pouca coisa na vida. Nunca tive apego a bens, riqueza, cargos ou fama. Eu não estava nem aí para isso. Só queria ter uma pequena casa, algum conforto, livros, discos e refrigerante. Bermudas grandes e chinelos bem grandes. Meus botões, melhor lembrança que tenho da infância, quase todos dados pela minha amada mãe. 

Garoto, eu ainda vejo o mundo de forma menos destrutiva. Ainda acredito na amizade, no amor e em bons sentimentos. Que pessoas que cometeram erros terríveis podem se reabilitar. Acredito que o ódio é estúpido e absolutamente inútil, assim como a empáfia e a arrogância. Quero continuar garoto para acreditar que o ser humano ainda é viável e que a vida ainda vale a pena. 

Os que me chamam de imaturo ou boboca não sabem nada de mim. Nunca passaram fome ou outras necessidades, nunca passaram por humilhações diárias nem sabem o que é viver dois anos sem dormir direito por medo. Pessoas maduras que se orgulham de seus tribunais de merda, onde julgam a tudo e a todos, menos a si mesmas. Elas não sabem nada de maturidade, a não ser fazer pose. 

Quero ser garoto para continuar amando os bichos e sabendo que eles são muito mais inteligentes do que imaginamos. 

Ser garoto para acreditar que a paz é possível, assim como viver sem humilhar ou agredir quem quer que seja - coisas absolutamente impossíveis no mundo dos adultos maduros e responsáveis. 

Ser garoto para um dia encontrar essa tal paz, de verdade. Ainda não consegui. 

@pauloandel

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