Saturday, February 04, 2023

as garotas

(original de 1990) 

Luciene está sorrindo, sentada ao lado da minha prancheta laranja transparente, onde carrego meu arsenal de conhecimentos num caderno cheio de fórmulas. O sorriso dela é lindo, vem de italianos e por isso tem dois mil anos de cultura, acompanhado pelo par de olhos claros de esmeralda. Está sempre rindo, falamos muitas besteiras descompromissadas. Não sei ao certo o motivo mas, de todas as garotas dos arredores, ela é que que mais tem do spiritus mundi indecifrável de Copacabana, embora jamais tenha morado no bairro e sequer eu a tenha visto por lá. Ainda por cima ela é branca, branca, ítala do nariz adunco cheio de charme, com seu cabelo claro cacheado, sem qualquer vestígio do sol do Atlântico Sul - e morro de rir quando Mônica se derrete de raiva porque digo "Luciene é a mais linda do mundo!" - ela se irrita e diz "Meus sais!" - algo me diz que uma celebridade vai repetir essa expressão por muito tempo. 

Dia desses fomos ao cinema com a turma, também fomos ao boliche e viajamos num feriado. Em todas essas ocasiões, fiquei reparando bem além de sua óbvia beleza: ela trata as pessoas muito bem, e acho que isso é que potencializa a atração natural que exerce em quase todos nós. No Rio de Janeiro você se depara com a beleza feminina em praticamente todas as esquinas de todos os bairros. Tudo que vivemos enquanto miscigenação popular nos levou a uma cidade de belas mulheres, dos mais variados tipos, inclusive os não óbvios. Há beleza para todos, basta ser atento e não ter preconceitos tolos. 

Não, não é só beleza e simpatia ou carisma. Vai além disso. Gosto de ouvi-la porque ela é inteligente e sagaz, a primeira a matar nossas piadas, sempre rindo, sem alterar sua elegância no tom de voz. Nunca a vi em situações de rispidez, está sempre tranquila, educada. Doce sem ser melosa. Elegante sem ser formal, muito pelo contrário. Nos dias de verão, ela vem de short jeans, tênis baixo e top branco, com a mochila pequena atravessada no ombro. Tenho um amigo que sempre se engasga ao vê-la, e outro que só consegue dizer "Que pernas!". Os machos de vinte anos são sempre óbvios,  embora saibam às vezes o que estão dizendo. 

Então me dou conta de que, depois do lindo sorriso de sempre, ela diz algo como "É isso mesmo, Paulo?", eu não respondo porque estou pensando em todas as coisas, então ela me dá um beliscão no braço esquerdo, diz 'Ei, presta atenção em mim!", eu viro e respondo "Mais do que presto, impossível!". Ela não entende nada, começa a rir, me dá um beijo no rosto e se levanta para ir à cantina ou à xerox, acho. 

Quando caminha em direção à rampa que leva ao sétimo andar - as garotas nunca desciam porque o quinto era da Engenharia e um machismo só -, eu ainda penso num último item: ela é linda, doce, educada, engraçada paca, simpática e... Fluminense! Eu, que não falo de Deus em vão e fujo das religiões, fico pensando que, no fim das contas, Luciene é uma espécie de paradigma feminino tricolor, o que sinceramente faz todo sentido. Ela tem a ver com o charme das cores, do pó de arroz, das bandeiras tricolores apaixonantes. 

Então ela olha pra trás, dá mais um sorriso, sobe e me dou conta que sua mochila ficou ao meu lado. Tudo bem, eu tomo conta e espero quanto tempo precisar. Quem tem a sorte de ser amigo de uma das garotas mais bonitas do mundo, por dentro e por fora, não tem do que reclamar. 

@pauloandel

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