minha pequena cidade parecia
a mulher amada, nua
deitada em êxtases
quando decido percorrê-la feito pele
e vi os veteranos da praia encostados
na trave à espera do jogo
e lindas garotas loucas tomando ácido
no calçadão
e mais lindas garotas indiferentes, com suas cangas, a caminho de casa
[onde foram parar renatinha e ana paula?
e vi os novos grandes prédios cheios de luzes, onde poucos entram
ao contrário das ruas, cheias de lojas vazias e empregos mortos
lojas, patrões e histórias mortas
e ônibus passando indiferentes com
toda velocidade
[debaixo da marquise tem uma família em desespero pelo crack
eu vi as memórias dos cinemas
que juntavam multidões na fila
e o cheiro de pipoca doce, de emoção
até entrar na sala escura e surgir
a grande tela com imagens
monumentais
e vi as calçadas de sonho, preenchidas
por todos os tipos: senhores respeitáveis,
escoteiros, pivetes, playboys, camelôs,
mensageiros, executivos e doidões felizes
e mais mulheres lindas e indiferentes
até mesmo as lindas put@s da orla, que muitas vezes só queriam namorar mas fodi@m pela sobrevivência
travestis solitários nas esquinas que fariam tudo por uma verdadeira amizade
e idosas injustiçadas com suas mãos estendidas esperando a ajuda de deus
vi grandes artistas caminhando feito anônimos e anônimos se sentindo famosos
pessoas ricas com roupas humílimas, às vezes indo para o Maracanã com rasgos
num velho bar perto do teatro, os camaradas riam toda noite com os exóticos personagens da casa, que criavam as situações mais divertidas - infelizmente todos estão mortos,
até mesmo o bar que chegou
a ganhar um livro
um livro, os livros, os livros que não estão sendo lidos, os escritores que estão suicidando, os poetas atordoados - todos precisam ficar ocupados com seus smartphones
eu vi a glória e a decadência, moradores morrendo e nascendo, crianças que agora são pais e mães, gente
que lutou por uma vida inteira
e agora se humilha com latinhas
no chão
eu vi os globinhos às cinco da manhã preparando os jornais para a entrega a domicílio, todos os dias do ano
vi o sol, a chuva, o mar na tempestade,
a bola na chuva, as corridas solitárias
vi prédios mal assombrados virando confortáveis flats
menos mal que muitos ainda possam comer esfihas em paz no restaurante da galeria
e que o teatro hoje abrigue grandes shows de música, embora esteja faltando certa irreverência
vi casais apaixonados e, mais de uma vez, deixei uma garota no vácuo à espera do beijo - eu era difícil
e amigos gays sofrendo pelo preconceito, se achando anormais e terrivelmente reclusos
vi artistas de futuro ficando pelo caminho, perdi contato com queridos amigos da marinha, perdi todos os contatos e meu único amigo se chama desespero
à noite, corto as ruas da minha pequenina cidade e percebo que tudo está rigorosamente lá, com exceção das pessoas - o tempo muda tudo
então, aceito minha insignificância, sento num banco da praia, penso num novo livro - mesmo sem recurso algum - e descanso sem paz
@pauloandel
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