NAQUELE tempo era batata: verão, terminava o expediente e regularmente tomávamos um chope, eu e alguns colegas dos tempos de faculdade. Rodamos por muitos bares do Centro, mas fixamos presença por longo tempo na Choperia do Papai, hoje morta. Faz tempo, vinte anos.
Morando ao lado do trabalho, invariavelmente eu ia em casa brevemente para tomar banho e trocar de roupa. Bermuda e chinelos. Não é excesso de informalidade, mas costume. Vivi meus primeiros 25 anos a quatro quadras do Atlântico Sul, donde sou uma inevitável criatura litorânea.
Fato é que bebemos um bom chope, comemos pizza e rimos. O segundo andar da Choperia era sempre nosso com exclusividade, salvo um ou outro casal danadinho. Enfim, terminou cedo, fechamos a conta e nos mandamos. Recolhi a grana da mesa e fiz câmbio, pagando a conta com meu cartão - um gesto que me seria muito útil naquela noite. Então caminhei sozinho da São José até o monumental prédio da Caixa Econômica, pois ali tinha o ponto do ônibus C-10, que me deixava na porta de casa.
Lá chegando, encontrei um conhecido dos tempos de faculdade. Era um calouro dos anos 1990. Acho, só acho, que fui eu quem lhe deu um apelido que o acompanhou por muito tempo. Enfim, como não o via há pelo menos seis ou sete anos, fiquei feliz pelo encontro mas somente por uns dez segundos. Explico.
Minha empolgação não teve recíproca. Minha efusividade foi retrucada com um olhar de cima a baixo, depois fixado em meu par de chinelos, que exalava preconceito mas quase tinha um quê de homossexualidade reprimida. Em segundos, tentei entender se aquilo se tratava de um gesto preconceituoso, e é claro que era: vestido com um terno desses que você vê muito em cultos evangélicos, o cara provavelmente supôs que, em pleno Centro do Rio, um homem de chinelos e bermuda é necessariamente alguém fora do estrato social de escritórios corporativos, por exemplo.
Ainda tentei puxar um papo depois da quase manjada que sofri. Então o sujeito me perguntou se eu trabalhava (devia estar obcecado pelo fato de eu estar de bermudas)... Sem muitas explicações, disse que sim. Falei que regularmente tomávamos chopes na região e que ele estava convidado a nos acompanhar quando pudesse/quisesse. A resposta foi quase inacreditável.
"Infelizmente não será possível. Neste momento tenho muito trabalho, é um momento de enorme sucesso profissional, muito próspero e, além do mais, estou casado. Então, quando saio é com minha esposa. Não frequento bares."
[Acho que eu nunca tinha pensado em sucesso profissional na minha vida, só queria sustentar bem minha família. Eu tinha trinta e poucos anos, era solteiro, ficava com uma garota casada e outra, solteira.
[A grosseria e a arrogância que tentam vestir boa roupa em vão.
A resposta me fez pensar: não estava mais ali um colega de faculdade, mas sim um bab@ca a ser descartado, com todo o seu preconceito oco. Então, para não ficar ao lado de um sujeito que fazia questão de ser desagradável, rapidamente desejei-lhe tudo de bom e, como o meu ônibus demorava, falei que pegaria um táxi. Ofereci carona, veio a resposta extraterrestre.
"Ah, sim, mas... você irá de táxi?"
[Em sua visão tosca, considerava inaceitável um sujeito de bermudas, um provável camelô ou desempregado, pegar um táxi. Senhor...
"Sim. Você quer carona para algum lugar?"
"Não, não, eu vou para mais longe."
[Leia-se "Na verdade banquei aqui o rico mas não tenho dinheiro nem para rachar uma corrida curta, digo que o táxi não me serve".
"Bom, poderia deixar você mais perto do caminho. Que pena. Boa sorte, muito sucesso matrimonial e matrimonial para você. Até um dia".
Já perto dos Arcos da Lapa, eu só pensava em como uma pessoa que parecia tão legal nos tempos de faculdade se tornara alguém tão estúpido, ou se já era daquele jeito e eu, ingenuamente, não havia percebido.
Quando o táxi chegou à Mem de Sá, eu só sentia alívio por ter deixado para trás um idiota de terno. Mas a relação com bab@cas estava longe de terminar: até pessoas que eu considerava amigas chegariam a me discriminar porque tinham "dinheiro" e um "bom emprego". Mas como eu não sou um idiota de terno, lentamente deixei todas elas para trás.
Esse, do ponto de ônibus, felizmente nunca mais vi. Que sorte!
Continuo pobre, estou desesperado mas meu par de bermudas e chinelos me deixa feliz. Ultimamente tenho escrito livros.
@pauloandel