eu lembro. lembro de quase tudo. minha memória é delícia e inferno. eu me lembro quando fiz sinal para um táxi no colo de minha mãe, assim como me lembro de ser carregado em minha festa de aniversário em 1970, aos dois anos de idade. eu lembro do panduíche na revista e do sujismundo na tv. eu me lembro quando meu pai me disse "félix" e "fluminense" pela primeira vez em 1973, antes dos cinco anos de idade. lembro de ver minha mãe chorando quando chegamos a vaz lobo para morarmos um ano, em 1976 - eu já tinha oito anos. também me lembro de comprar coxinhas sequinhas e deliciosas numa lanchonete no largo de vaz lobo, enquanto tocava belchior na lanchonete. volto a copacabana em 1975 e lembro quando a ditadura me expulsou da escola, ou quando minha mãe chorou muito ao falar com uma jovem mãe em situação de rua na frente do metro copacabana. eu me lembro de ana paula, linda, passar pela figueiredo magalhães, mas aí já tinha 14 anos e isso tem apenas 40 anos. eu me lembro de todas as vezes que precisei chegar em casa para dormir, ou às vezes nem ir, para não ter choques com meu pai doente por alcoolismo. eu me lembro de quantas vezes vi o atlântico sul e pensei no mistério, no medo e na morte, sonhando em ser alguém digno e poder dormir todas as noites em paz - o que jamais aconteceu. eu lembro de meus amigos à mesa jogando cartas enquanto alguns ficavam muito loucos de pó e algumas garotas se esfregavam em nossos colos, aí já tinha 18. recuo e relembro quando ia com meu pai de copacabana até são joão de meriti, então pegávamos um belo ônibus que passava pela dutra e eu me sentia feliz por ser um ajudante de loja aos sete anos de idade. lembro de minha mãe comprar uma caixa de madeira de um velhinho na viveiros de castro, ele era bem velhinho e essa caixa até hoje serve para guardar meus botões. eu me lembro de todas as vezes que sofri bullying na escola, todas as humilhações ridículas e todos os rostos dos algozes - a maioria se tornou a mediocridade esperada. eu me lembro de uma garota que beijei sem saber o nome, no meio do ajuri de cotia com dez mil escoteiros em 1985. lembro de quase todas as admirações e paixões que tive, vividas ou não, não sei se sou lembrado. lembro das últimas palavras que não troquei com xuru e fred, cujas ausências são dolorosas ao extremo para mim, isso com 13 ou 17 anos atrás. e lembro do dia em que fiquei amigo do xuru em 1984, assim como lembro da primeira vez em que fui à casa do fred em 1977. eu me lembro de ter visto os paralamas no parque lage, quando ninguém os conhecia. eu me lembro do bar bole bole e de billy blanco cruzando diariamente o shopping dos antiquários. lembro de antológicas noites no campo em arcozelo, vale do sol, imbuí, serra dos órgãos e vassouras - japuíba-patis-gaviões, 1987. eu me lembro de ter jogado botão com augusto, luis e Marcelinho debaixo da escada volante em 1978, e de ter assistido aulas de catecismo com floriano em 1979. eu me lembro de ter acariciado uma gata por baixo da mesa enquanto seu noivo tinha ido ao banheiro do bar, 1995. eu me lembro quando vi chocão pela primeira vez e ela era bem pequenininha. eu lembro de lula perseguido pela imprensa numa denúncia do pasquim de 78. e me lembro do homem cadeirante triste, usando uma sonda debaixo da marquise do shopping dos antiquários em 1993. bem mais longe, lembro de minha primeira entrada no shopping em 1975, vindo da Toneleiro e acessando pela siqueira campos. eu me lembro de dri, roberto e nilton jogando bola no bairro peixoto em 1981. lembro do lazlo e do janjão, que foram meus vizinhos em 1978, assim como o luiz fernando português, o marcelo e a maravilhosa zuleika. eu lembro de todas as injustiças e portas na cara que sofri, e me lembro também das pouquíssimas pessoas que me deram a mão sem oportunismo. eu me lembro quando chorei de alegria pela primeira vez, quando passei para a uerj - tem apenas 34 anos. minha memória tem coisas demais, é minha delícia e desastre ao mesmo tempo. ainda me lembro.
@pauloandel
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