Sunday, September 11, 2022

Xuru, Russunes, Russ

Parece incrível, mas meu amigo Xuru (Russ, Russunes, Russinho da Atlântica e outros codinomes) completa 17 anos de sua morte hoje. Às vezes, nossa turma de Copacabana fala no WhatsApp como se ele estivesse apenas dando um tempo e vá reaparecer. Não há semana em que não falamos das situações engraçadíssimas que sempre o cercaram. 

Éramos seus colegas, três mais velhos e três mais novos, juntados pelo jogo de botão. Gomão era o "pai" do Raul, Xuru o da Cler e eu do Luiz. Hoje essa configuração está diferente, mas seguimos rindo no WhatsApp, é o que resta. 

Nem sempre é justo falar quem é o melhor amigo, até porque isso muda e nem sempre pra melhor, mas o que eu posso dizer é que o Xuru foi a única pessoa que jamais deixou de me estender a mão na hora da barra pesada e, se ele estiver em algum lugar, deve pensar que a recíproca foi verdadeira. Foi mesmo. Um tirou o outro de cada roubada... Jamais nos omitimos. Sabe aquela coisa de "depois eu te ligo" e a ligação nunca viria? Com a gente isso não existia. 

Ele chamava minha mãe de mãe e só eu vi o que ela sentiu quando soube de sua morte. Eles brincavam no telefone de um passar trote para o outro, telefone fixo, imagina? Ela fingia que era uma ficante grávida e ligava pra ele exigindo o reconhecimento. Resposta: "Rãrãrãrã, você é a décima. Mãe, seu trote não engana ninguém". E riam, riam. 

Fomos em um monte de acampamentos, jogamos muito futebol, muito botão e fomos muitas vezes ao Maracanã, desde os tempos em que chegávamos mais cedo porque tinha um tal de Romário que jogava muito. Engraçado que saímos pouco à noite: ele era da pá virada, eu não. Contudo, isso não nos impediu de beber chopes gloriosos e viver situações engraçadíssimas. 

Fiz um livro sobre ele. Não gostei do resultado final. Parecia triste, nada a ver com um sujeito que vivia rindo. Tive bom senso e joguei fora, depois farei outro bem melhor. 

Quando passamos no vestibular, ele caiu comigo na UERJ, mas com chances de reclassificação na UFRJ. Ficou torcendo para ir: achava que, se ficássemos na mesma universidade, os dois se ferrariam. Ok, tinha razão, mas ele foi pro Fundão e ficou na sacanagem do mesmo jeito. Menos mal que trouxe Pepsi pra gente. 

São muitas e muitas lembranças, mas uma definitiva se deu quando fomos barrados no prédio do apartamento de seus padrinhos, que ele frequentava desde criança. O casal havia morrido há pouco tempo e ele fez um réveillon de arromba por lá. Parentes (que nunca tinham dado sinal de vida) mandaram trocar a fechadura da porta. Olhando pro prédio serenamente, ele disse:

"Quer saber? PhodaC esse apartamento. A única importância disso aí era ter meus padrinhos, e eles não estão mais aí. RAT! Vamos tomar um chope!"

Demos meia volta, fomos para o galeto da Domingos Ferreira e deixamos uns quatro milhões de reais para trás. 

[RAT é uma corruptela que inventamos para o desabafo "ratomanoku". Deve ser pronunciada bem alta, com forte sotaque nordestino. 

Então, falar do meu amigo Xuru é falar do Maracanã, de São Januário que ele tanto amava, de botões Brianezi, da UFRJ, do seu famoso carro apelidado de "travecomóvel", do CAP, do Bernardão, do cheiro da pizza do Caravelle, de Vale do Sol, Serra dos Órgãos, dos escoteiros, do antológico Bar Sniff's (ele é personagem do livro), de Arraial do Cabo, do M Ninn, do Pedro, do ex-Coruja, de uma fila de mulheres, de golaços na quadra do Corpo de Bombeiros na Xavier da Silveira (hoje um estacionamento), de gatas alucinantes da UERJ num torneio de pingue-pongue, do professor Serra Costa, da Sorveteria Bolonha, do Bonino's, da Pepsi, do Sasso, do jogo de War com cartas marcadas, do PCB, da casa do Henrique no Flamengo, do show do A-ha, do James Taylor, da Cássia Eller e de noites quase desertas na Praia de Copacabana, onde bastava uma bola razoavelmente cheia e uma trave livre para nos sentirmos imortais.

Nossa última conversa foi três dias antes de sua morte. Eu ia pra uma rápida viagem maluca, ele não queria que eu fosse, eu prometi que voltaria para vermos o jogo de domingo juntos, ele sorriu. Sabia que não daria, mas não me disse nada. Ingenuamente, eu não percebi que era a despedida - pra mim, aquilo ia durar uns dois ou três anos, não três dias. Quando voltei, ele já estava morto. Percebi na estrada, quando comecei a telefonar para os amigos e ninguém atendia: não queriam me dizer. 

Não podia esquecer: nos dois anos finais do Russo, Zé Capixaba foi muito sinistro no apoio. Respeito eterno. 

Depois do enterro, numa segunda-feira à tarde, fomos almoçar no Cosmopolita. Foi a última vez que estive no tradicional restaurante, hoje desaparecido.

Dezessete anos depois, não há como negar: meu amigo deixou uma lacuna irrecuperável. Irrecuperável. 

@pauloandel 

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#comentecomeducação

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