Wednesday, August 22, 2018
Friday, August 17, 2018
cão
Eu sou o cão de olhar perdido em noite fria debaixo de uma marquise da Cruz Vermelha, enquanto meu dono desmaia de sofrimento, cansaço e indiferença. Não consigo latir nem brincar, apenas olhar para o nada que chamam de horizonte, enquanto também sou desprezado pelos transeuntes, que me consideram o símbolo de uma derrota. Eu olho para o nada e vejo outros cães noutras calçadas, muitos feito eu e outros tão bem tratados que sequer usam coleira. Eu sou um cão da noite triste e ninguém passa a mão na minha cabeça ou me oferece um nugget. Estou aos pés do sofrimento do meu dono e do meu mesmo, sem latir e pensar, irracional que posso ser. Metros acima, as luzes indicam que as pessoas estão comemorando gols, xingando políticos e rolando em berço esplêndido de cólera. Eu sou um cão sem dono, sem latido, sem futuro e fico tranquilamente apreciando todas as horas do fim, como se coubesse num poema de Torquato Neto. Cão, cachorro, bicho de estimação sem estima, o que me resta é a solidariedade do meu dono desmaiado em cima das frias e cortantes pedras portuguesas. Eu só queria um bife, uma coberta, um dia de vida em busca deste sentimento tão nobre - e vedado aos caninos - chamado de paz. Eu, tão cão da noite e do desalento, posso ser mais humano do que os humanos que me veem com nojo. Eu, cão triste, amigo sincero do homem que passa apressado para fugir da minha miséria. Ele, tão ser gregário, tão hipócrita e eu, contando mais um dia de vida ou de pena cumprida, ou ainda do caminho inevitável para a morte, outro verso de Gil.
@pauloandel
Thursday, August 16, 2018
Por que voto em Elika Takimoto
Por
absoluta sorte, tenho acompanhado a trajetória de Elika Takimoto bem de perto
desde fins do século XX. Perto daquele tempo e pouco depois, ela se esfalfava
para cuidar de duas crianças, seus filhos Hideo e Nara (Yuki, o terceiro, só
viria mais tarde), da casa, do marido, dos estudos, do trabalho como professora
e mantinha sob absoluto sigilo um talento que o tempo tratou de desvelar para o
Brasil: o de uma escritora de mão cheia, uma memorialista de marca maior, digna
de Zélia Gattai (com quem manteve contato, aliás).
De lá para cá, o que já era ótimo só
melhorou: não bastasse se tornar uma autora reconhecida e premiada, Elika avançou
em todos os sentidos. Quando o assunto é formação acadêmica, chegou ao
doutorado em Filosofia. Como professora de física e coordenadora do Cefet-RJ,
percorreu o país como palestrante aclamada e só falta dar autógrafos aos
alunos, de tão querida que é. Conhece tudo sobre escola e universidade, seus
aquários natais e de ofício. Seu livro “Isaac no mundo das partículas”, sucesso
de vendas, baseou uma peça de teatro infantil aclamada por crítica e público.
Mãe, mulher, moradora de Madureira na
divisa com Cascadura (mais Rio de Janeiro raiz, impossível), fiel escudeira da
Educação, filha de japonês, dona de uma risada inconfundível, trabalhadora, nos
últimos anos Elika arrebatou uma legião de fãs nas redes sociais por muitos
motivos, sendo o principal deles a luta pela democracia que existiu um dia no
Brasil, além da sua visão em 360 graus a respeito das mazelas que têm vitimado
o povo brasileiro e, em especial, o do Rio de Janeiro: genocídio, violência
ostensiva, desemprego a granel, demolição econômica, degradação política, saúde
na sarjeta, educação à míngua, desesperança.
E tudo isso com uma coragem que se
espera dos protagonistas da história: justamente em meio ao caos, no mar de
ódio que o golpe de 2016 espalhou pelo Brasil, ela navegou contra o linchamento
midiático que foi meticulosamente instaurado contra o Partido dos Trabalhadores
e, em especial, a figura de Lula – qualquer pessoa minimamente informada percebe
os movimentos das grandes corporações de comunicação quando o assunto é oprimir
e alienar o povo brasileiro, sendo que o Rio de Janeiro sentiu o baque da
implosão a olhos nus da Petrobras como nenhuma outra unidade da federação. Daí
sua indignação contra o golpe, contra o cárcere privado de Lula, contra o
sequestro da democracia brasileira, contra a implosão do Rio, contra a
destruição das políticas de inclusão social que salvaram a vida de milhões de
pessoas desde 2002, contra o entreguismo feroz que só atende aos anseios do
capital rentista e mais nada, enquanto os integrantes de três famílias
controladoras da holding Itaú-Unibanco receberam 9 bilhões de reais em cinco
anos a título de dividendos, sendo três bilhões somente em 2017 com zero
imposto de renda. Tudo em meio a uma crise que, organizada pela vilania, fez
com que no mesmo período fosse dobrado o número de desempregados no país, sem
contar os desalentados (aqueles que desistiram de procurar por uma vaga).
Apesar
de seu extremo bom humor, Elika é naturalmente uma cidadã indignada. Ela sabe
que o Rio e o Brasil podem ser diferentes do que esse arremedo golpista de
agora – e diferentes para muito melhor. É disso que nasce a sua candidatura. E
justamente por ela ter vindo “de fora” do ambiente político convencional, tem
gás de sobra contra os velhos fisiologismos dos quais estamos todos bastante
cansados. Trata-se de uma acadêmica de sucesso, uma intelectual bem-preparada
que vai muito além das salas de pesquisa: por sua formação e vivência, ela sabe
do riscado quando se fala de trem, de subúrbio alijado de política cultural, da
saúde ausente, da segurança esquálida, de colégio abandonado, da cidade tão
partida e injusta que é dividida pelo muro invisível (mas presente) entre o
balneário e os bairros-alojamentos. Além do mais, quem define sobre quem vem “de
dentro” ou “de fora” da política partidária, ou quem “pode” vir ou não? Ela, a
política, é para todos!
Para finalizar, meu voto não é somente
em uma mulher com enorme estofo intelectual, acadêmico, familiar, social e
moral, com fartas realizações em sua vida pessoal. Aqui peço licença para falar de ética, de apreço, de honestidade, de
sinceridade, de decência. Elika é uma das pessoas em quem mais confio nesta
Terra. Eu a vi crescer e se agigantar sem dar um único passo se esquecendo de
sua trajetória e de quem a cerca. Posso falar disso de cadeira: generosamente,
ela é a prefaciadora dos meus dois livros “Cenas do Centro do Rio”, minha primeira
incentivadora literária, minha querida companheira de mesas e lançamentos – e,
para qualquer escritor que se preze, o que modestamente é meu caso, prefácio é
coisa que só se oferece a quem se confia e se admira muito. Falando em
literatura, Elika é novamente um desafio: cansada de ler as negativas mais
estapafúrdias das editoras para a publicação de suas obras (ah, editoras, que
pisam em seus autores sem dó...), ela pôs a mão na massa e lançou seus títulos de
maneira independente, já tendo sido lida por milhares e milhares de pessoas.
Convém não dizer a ela que algo de bom não pode ser feito sem um motivo muito justo
e comprovado, senão...
Elika pensa no próximo e sofre com a
dor do outro. E pensa num mundo mais justo, mais humano, um mundo de inclusão e
participação, de justiça, de democracia. Embora seja jovem e com o mundo pela
frente, ela é uma veterana do ensino e, por isso mesmo, tem a capacidade de dar
a aula magna que o Rio de Janeiro anda precisando tanto: a da política
participativa, plural e democrática, a da política popular. Eu confio e vou com
ela onde estiver. Precisamos de gente com atitude para mudar o mundo, e isso
começa pela nossa cidade, pelo nosso estado, pelo nosso país, e essa atitude
tem que ser exercida no voto, com realizações em prol da população. Que minha amiga tenha toda a sorte do mundo nesta
jornada – e creio plenamente que terá -, porque nela eu tenho a esperança de
ver a política do Rio de Janeiro em seu devido lugar: nas manchetes de grandes realizações populares - e não nas de tragédias policiais, como tem sido ultimamente.
#EuVotoElika
#13021
#RioDeJaneiro
#13021
#RioDeJaneiro
Tuesday, August 14, 2018
Retratos de agosto
(ou os corações solitários no ponto de ônibus
em frente ao prédio com pilotis)
a miséria é
livre é
grátis é
democrática:
todos estamos fudidos
mas há quem aplauda
o que está acontecendo
como se estivesse na fila
dos banheiros em auschwitz
e dissesse: há de ser
uma ducha boa!
todos estamos desempregados
humilhados, escorraçados
enquanto as manchetes da tevê
saúdam o lucro dos bancos
os condomínios de gran luxo
e a balança comercial
a miséria está em todas as calçadas
e marquises
nas praças abandonadas
no vinco dos rostos sofridos
que dormem ao relento gelado
ela, miséria, generosa que é, se espalha
e abraça cada vez mais gente
todos somos mendigos:
se não for das ruas, que seja das almas
do nosso vazio indiferente
do nosso foda-se o outro
existe no ar o misterioso sono da eternidade
quee flutua nos corpos
recolhidos na uerj e nos trilhos
do metrô
e nos restos mortais no iml
somos estúpidos demais
demais!
em frente ao prédio com pilotis)
a miséria é
livre é
grátis é
democrática:
todos estamos fudidos
mas há quem aplauda
o que está acontecendo
como se estivesse na fila
dos banheiros em auschwitz
e dissesse: há de ser
uma ducha boa!
todos estamos desempregados
humilhados, escorraçados
enquanto as manchetes da tevê
saúdam o lucro dos bancos
os condomínios de gran luxo
e a balança comercial
a miséria está em todas as calçadas
e marquises
nas praças abandonadas
no vinco dos rostos sofridos
que dormem ao relento gelado
ela, miséria, generosa que é, se espalha
e abraça cada vez mais gente
todos somos mendigos:
se não for das ruas, que seja das almas
do nosso vazio indiferente
do nosso foda-se o outro
existe no ar o misterioso sono da eternidade
quee flutua nos corpos
recolhidos na uerj e nos trilhos
do metrô
e nos restos mortais no iml
somos estúpidos demais
demais!
Sunday, August 12, 2018
manhãzinha
o silêncio profundo na manhãzinha de domingo. um ônibus corta a cruz vermelha lentamente. os notívagos deixam a boemia da lapa para trás, caminhando lentamente. um ou outro carro passa.
do lado de fora da janela do quarto mora um silêncio. a réstia de luz escapa por dentro da cortina azul.
há mil domingos ou dois mil domingos, eu achava que era mais feliz. pão, presunto, queijo prato, um litro de leite em saco plástico, muitos jornais, a família batendo os talheres no ir e vir da minúscula cozinha. a esperança de um bom jogo no maracanã, de um belo show na praça do arpoador, de uma caminhada pela praia apaixonada de copacabana.
as pessoas sofriam, mas havia uma doce ilusão de futuro, o tal país do futuro, aquele que, ao que tudo indica, jamais chegará. era triste, mas diferente deste silêncio de desalento, de morte em vida. gente que virou número, quadro, objeto a ser descartado, lixo sem reciclagem condenado a morrer sufocado pelo próprio chorume.
onde foram parar os bêbados admiráveis que passavam do lado de fora da janela, cantando e espantando a dor às seis e meia de domingo?
do lado de fora da janela existe uma cidade fantasma, incapaz de impedir a agonia que alimenta seus suicidas miseráveis e tristes. a banca não tem jornais, a padaria não abre, os talheres estão imóveis, existe sofrimento e melancolia. ninguém espera um grande jogo no maracanã, nunca mais o arpoador abrigará um show especial.
ao quase longe, os miseráveis da cruz vermelha começam mais um dia de sofrimento em seus caminhos inevitáveis para a morte. não há nenhuma celebração. não há qualquer motivo para se festejar o que quer que seja. menos mal que, daqui a pouco, crianças vão chutar uma bola velha no asfalto da rua de lazer.
está me faltando coragem física para abrir a caixa do Tom Zé, o duplo do Bob Dylan 1966 e o box do Police. enquanto isso, o sol se torna mais vivo por trás da cortina azul. os filhos vão abraçar os pais, vão chorar por eles ou tentar entender este mundo de incompreensão e tristeza, onde é normal ver as pessoas jogadas na rua feito mascates da vagabundagem - eles estão lá porque querem, diz um comentarista primitivo do cotidiano.
ah, quem me dera pudesse voltar a jogar futebol com meus amigos, sonhar com um domingo feliz, sonhar com um país e um mundo que não são meus e, na verdade, revê-los como eles nunca foram.
às vezes os pais são muito felizes. noutras, eles são abraço e fé. noutras, eles são a lembrança da réstia de sol que penetra pelo meio da cortina azul, fechada. os filhos procuram os pais, o futuro repete o passado por alguns instantes, até que ronca o motor de um ônibus e é o único sinal de oposição numa estranha coalizão de fracassos. o que vem pela frente, ninguém sabe, ninguém.
@pauloandel
do lado de fora da janela do quarto mora um silêncio. a réstia de luz escapa por dentro da cortina azul.
há mil domingos ou dois mil domingos, eu achava que era mais feliz. pão, presunto, queijo prato, um litro de leite em saco plástico, muitos jornais, a família batendo os talheres no ir e vir da minúscula cozinha. a esperança de um bom jogo no maracanã, de um belo show na praça do arpoador, de uma caminhada pela praia apaixonada de copacabana.
as pessoas sofriam, mas havia uma doce ilusão de futuro, o tal país do futuro, aquele que, ao que tudo indica, jamais chegará. era triste, mas diferente deste silêncio de desalento, de morte em vida. gente que virou número, quadro, objeto a ser descartado, lixo sem reciclagem condenado a morrer sufocado pelo próprio chorume.
onde foram parar os bêbados admiráveis que passavam do lado de fora da janela, cantando e espantando a dor às seis e meia de domingo?
do lado de fora da janela existe uma cidade fantasma, incapaz de impedir a agonia que alimenta seus suicidas miseráveis e tristes. a banca não tem jornais, a padaria não abre, os talheres estão imóveis, existe sofrimento e melancolia. ninguém espera um grande jogo no maracanã, nunca mais o arpoador abrigará um show especial.
ao quase longe, os miseráveis da cruz vermelha começam mais um dia de sofrimento em seus caminhos inevitáveis para a morte. não há nenhuma celebração. não há qualquer motivo para se festejar o que quer que seja. menos mal que, daqui a pouco, crianças vão chutar uma bola velha no asfalto da rua de lazer.
está me faltando coragem física para abrir a caixa do Tom Zé, o duplo do Bob Dylan 1966 e o box do Police. enquanto isso, o sol se torna mais vivo por trás da cortina azul. os filhos vão abraçar os pais, vão chorar por eles ou tentar entender este mundo de incompreensão e tristeza, onde é normal ver as pessoas jogadas na rua feito mascates da vagabundagem - eles estão lá porque querem, diz um comentarista primitivo do cotidiano.
ah, quem me dera pudesse voltar a jogar futebol com meus amigos, sonhar com um domingo feliz, sonhar com um país e um mundo que não são meus e, na verdade, revê-los como eles nunca foram.
às vezes os pais são muito felizes. noutras, eles são abraço e fé. noutras, eles são a lembrança da réstia de sol que penetra pelo meio da cortina azul, fechada. os filhos procuram os pais, o futuro repete o passado por alguns instantes, até que ronca o motor de um ônibus e é o único sinal de oposição numa estranha coalizão de fracassos. o que vem pela frente, ninguém sabe, ninguém.
@pauloandel
Friday, August 10, 2018
cortar cortar
vamos cortar vamos?
vamos cortar as gorduras
as despesas
vamos vamos cortar
as divergências e desacertos
vamos!
que tal cortar na própria
carne?
cortar os outros, os baratos
vamos cortar nossos sonhos!
vamos cortar os números
os empregados, os investimentos
cortar postos, ora!
hora de cortar despesas: são
tudo investimento FODA-SE
vamos nos cortar uns aos outros
com belas balas
cortar o caminho, abreviá-lo
cortar, cortar, cortar
cortar as vidas de merda
até que o nada e a destruição sejam
um só: irmãos siameses
namorados de mãos dadas
celebrando uma guerra que só tem
derrotados
suicidas
e corpos putrefatos:
os pedaços podres no
chão atestam o sumo
da nossa ignorância
@pauloandel
vamos cortar as gorduras
as despesas
vamos vamos cortar
as divergências e desacertos
vamos!
que tal cortar na própria
carne?
cortar os outros, os baratos
vamos cortar nossos sonhos!
vamos cortar os números
os empregados, os investimentos
cortar postos, ora!
hora de cortar despesas: são
tudo investimento FODA-SE
vamos nos cortar uns aos outros
com belas balas
cortar o caminho, abreviá-lo
cortar, cortar, cortar
cortar as vidas de merda
até que o nada e a destruição sejam
um só: irmãos siameses
namorados de mãos dadas
celebrando uma guerra que só tem
derrotados
suicidas
e corpos putrefatos:
os pedaços podres no
chão atestam o sumo
da nossa ignorância
@pauloandel