Saturday, October 06, 2012

Acerto de contas

De tudo o que li, vi e ouvi sobre política nacional este ano (e Direito, por que não?), o que achei mais importante foi isso, que acabei de receber via Twitter:

"O menino pobre da Veja mudou o Brasil: agora você pode ser condenado sem provas. Basta o depoimento de um inimigo teu."

Tive que lembrar de meus estudos sobre 63/64: o povo queria as reformas de base de qualquer jeito, a "Redentora" veio para ficar seis meses, durou vinte anos, ajudou a torturar, estuprar e matar pessoas - dentre as vítimas, meu tio Mendel. Todo sujeito que diz que não houve ditadura e tortura no Brasil não passa de um sonoro filhodaputa. Para meu pequeno consolo, uma das companheiras de tortura, prisão, porrada e estupro que vitimaram pessoas como o meu tio hoje é a presidente (ou presidenta) da República.

Depois lembrei da mocidade: a modernidade da era Collor, a edição do debate, o governo que começou de ponta-cabeça e conseguiu irritar toda a classe alta. Não ia durar muito. Fez-se um grande levante pela "ética" e contra a "corrupção", Brizola sugeriu cautela: já tinha sentido na pele o que é quando os grandes interesses são contrariados. Collor caiu. Não votaria nele nem para síndico do andar do prédio onde moro, mas desconfio de tudo aquilo até hoje.

Mais tarde, vamos vibrar... frango a um real, celulares modernos, oba, somos modernos. Quanto isso custou aos cofres públicos? Quanto custou a vida dos pobres que foram ceifados da saúde enquanto os hospitais eram dilapidados para que os planos fossem mais vendidos?

Pouca gente lembra de Ciro Gomes naqueles tempos. Poderia ter sido o rei. Largou o reino falando tudo claramente para quem quisesse ouvir. A turma fingiu que não ouviu. Boa parte daquilo depois virou livro, hoje um dos mais vendidos do país, mas jornais, revistas e televisões tratam a todos como idiotas, como se isso não estivesse acontecendo.

Oito anos de gatunagem foi o suficiente. O Brasil dos últimos meses de 2002 parecia estar em pau-a-pique. Ia ruir. As casas iam ser tomadas. O calote seria generalizado. O mundo ia levar um pé na bunda.

Desta vez, a patifaria não deu certo. E não deu certo novamente em 2006. E não deu certo em 2010. Enquanto os arautos da moralidade mesquinha chegam aos oitenta anos e veem que o sonho de ter o reinado está desfeito.

Quem disse que o Brasil de hoje é maravilhoso, sensacional, Estado na acepção da palavra? Não, ainda falta muita coisa. Não se conserta quase 40 anos de desastres em 10 ou 12. Falta muito, muito mesmo. E o ser humano é mesquinho, infame, vende-se por moedas desde os primórdios.

Mas melhorou um pouco. Muita coisa talvez.

Os mercados são cheios de pretos e brancos empurrando carrinhos com comida. No meu tempo de criança, preto no mercado só empurrava carrinho cheio se fosse para madame.

Eu sou preto. O rapaz do IBGE se assustou com minha declaração.

Os shoppings são cheios de pretos e brancos e paraíbas nas filas, comprando, lanchando, rindo. Antigamente, era assim que se designava o povo: preto, branco, paraíba. Em São Paulo, os baianos.

Tem miséria, tem crack, tem o tráfico escroto que sobrevive pelos mesmo interesses da "ética" e da "moralidade".

Tem corrupção e injustica. Tem racismo, preconceito, xenofobia. Muitas coisas.

Mas também tem muitos trabalhadores, gente de bem, que encara os piores transportes coletivos para batalhar e sobreviver dignamente.

Tem democracia, relativa mas tem. Não fosse assim, "Veja", "O Globo" e o restante da quadrilha já teria sido dizimada.

Mas ainda falta muito.

Precisamos de decência e ética no dia a dia e em todas as questões, não somente em termos pontuais. Lei para todos. Justiça para todos.

A começar pelo STF.

A começar pelas eleições de amanhã.

A começar por uma parte considerável da população brasileira que não lê, não reflete e só repete as mesmas verborragias copiadas de algumas das piores publicações deste país, nenhuma delas a serviço do povo, todas elas a serviço de pequenos feudos.

Quem se lembra das capitanias hereditárias?
 
Dedicado a Paulo Vanzolini

Paulo-Roberto Andel
@pauloandel

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