Trocamos
um abraço na rua Sete de Setembro e rumamos para o Itahy. Atualmente, bebericar
um simples chope com amigos pode ser uma tarefa árdua: o trânsito atrapalha, as
pessoas moram longe, o dinheiro é curto, o tempo é escasso. Tudo muito
diferente dos tempos em que éramos vagabundos iluminados a gargalhar no hall da
faculdade. Metros depois, mesa de bar, alívio e drama. Estranhamente, falamos
de morte: como seria se um de nós morresse ali? Os amigos iriam rir ou chorar
no velório. Não sei dizer ao certo, muitas pessoas já riram com besteiras que
escrevi ou disse, outras choraram. Sou um sujeito legal: não nego minhas
dívidas, luto para pagá-las e não prejudico ninguém. Não tenho compaixão por
arrogantes imbecis, mas não é o caso numa mesa de bar com calabresa fina e
Original no ponto. O capítulo seguinte tratou de política. Sempre desconfio de
meu amigo: é um sujeito honesto de direita, algo francamente contraditório no
mundo ocidental – e como ele é comprovadamente honesto, sua condição de direita
fica ameaçada; quem, dos dele, além do próprio, defenderia cadafalso para
Demósthenes? Isso faz pensar. Então falamos do futuro, de filhos, de alegria,
também falamos mal de outro amigo só para não perder costumes. E mais outro
amigo chega esbaforido à mesa, para nossa alegria e gargalhadas. Talvez não
tenhamos feito isso juntos há anos: sentar juntos à mesa e rir, conversar,
viver pequenas alegrias diante desta vida que consome vocações e sentimentos,
às vezes a troco de nada. Na mesa ao lado, fito cuidadosamente a beleza das
mulheres que conversam em cochichos desnecessários, uma vez que um
burro-sem-rabo para na rua e o som de seu rádio atordoa a todos, com o funk de
Miami dos anos 80, talvez pior do que as atuais programações da televisão
aberta. Estamos ali para rir, mas também cobiçar sociedade, parceria, talvez
realizar o sonho de trabalharmos juntos e, quem sabe?, ainda ganhar algum
dinheiro com isso. Belas mulheres vêm e vão, os minutos decolam. O amigo tem
voo marcado para dentro de uma hora, precisamos fazer de sessenta minutos um
ano-luz. E quase conseguimos. Pensamos na festa dos filhos de mais outro amigo,
no dia seguinte, onde faremos presença. Lá contaremos infindáveis histórias de
antigamente, mas também as atuais. Alguém fará da lágrima um sorriso. E talvez possamos
entender tudo o que temos vivido, perto ou longe, nos últimos vinte e poucos
anos. O tempo não perdoa, o avião é implacável, meu amigo de roupas e cabelos
modernos puxa a nota e paga a conta sem sequer termos tempo de agir. E corre.
Precisa ir para Brasília cuidar da filha e da vida. Seis da tarde no centro do
Rio, dez da noite na capital federal. Hoje, somos o produto de quilômetros a
fio. A nós, que ficamos, resta um milk-shake de Ovomaltine e ainda o World
Press Photo na Caixa Cultural. Enquanto um amigo voa rasante rumo ao centro do
poder, o outro a meu lado se impressiona com Kadhafi morto, o tsunami, os
rinocerontes dilacerados e agredidos pela valorização econômica de seus
chifres, o acidente nuclear, a linda loura jovem de dorso tatuado e seios
modestos, a coca boliviana, as lindas mulheres trabalhando num karaokê da
antiga URSS. Fotos são expressões de arte, dor e reflexão. Depois nos
despedimos, desço a pé a avenida Chile e o que me importa é a saudade, a
expectativa do próximo chope, do próximo encontro, como se fosse um mendigo a
esmolar admiráveis pequenos momentos onde a vida possa fazer algum sentido.
prandel020612
(Crédito da imagem: José Augusto Catalano)
Mais uma bela crônica da "grife prandel"! Torço para vê-las, um dia, reunidas num livro!
ReplyDeleteAbração e ST!!!
Sensacional, a crônica, o encontro, os amigos, a World Press...e pensar que nesse instante eu estava...estava.. cuidando da vida, e vendo ela passar ao longe!
ReplyDeleteSensacional, a crônica, o encontro, os amigos, a World Press...e pensar que nesse instante eu estava...estava.. cuidando da vida, e vendo ela passar ao longe!
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