Sunday, April 22, 2012

Crônicas crônicas

Crônica, crônica, crônicas crônicas, vamos cronicar.

Pouco importa se os narizes empinados tratam-na como gênero literal menor. Não passa de bobabem. Qual dos aduncos foi melhor do que Rubem Braga ou Mendes Campos?

Melhor priorizar as desimportâncias, as pequenas cousas, os supostos atos menores. Escrever dos grandes feitos é fácil: basta não ser um idiota.

Intelectualóides desprezam a crônica porque sabem que nela pode haver o espelho que lhes assustam: ora a necessidade de ir ao barbeiro, ora enxergar a olho nu as misérias à rua sem assepsia ou distância, ora pensar que um bom sanduíche de pernil do Vieira Souto pode ser bem melhor do que dez iguarias do Antonio’s.

Uma criança brincando de bola na praça. Um adulto solitário flanando pelo cais. O corpo de uma jovem senhora fincado no asfalto. Guerras frias e quentes. Conversa fiada. Gravidades. Tudo é crônica.

Precisamos de mais cronistas para que nosso pequeno mundo se humanize e, dessa feita, todos percebamos que a vida não se resume a shoppings e festas e luxos patéticos, nem grandes mercados de capitais ou descobertas impressionantes nos laboratórios acadêmicos. Ah, sim, a vida não é só a maior corrupção já vista neste país, porque outras maiores corrupções já foram vistas várias vezes – e alguém fingiu que não era consigo.

Mais cronistas para enxergarmos a estupidez que é tentarmos progredir sem aprendermos a pesquisar e ler. Sim, ler. O que não falta nestas horas são donos de diplomas pouco habituados à leitura, achando que as manchetes de cinqüenta centavos dão conta do recado, desde que a grana dê para comprar um abada ou ficar doidão na Lapa. Diplomas, sim, mas com capacidade. Democratizemos o ensino mas não deixemos de lembrar aos novos doutores que o futebol não é escrito só por R.M. Prado ou Fernando Calazans – isso para falar de um tema popular; Nelson Rodrigues, Mário Filho, João Saldanha e Achilles Chirol vieram bem antes, fizeram muito melhor.

Mais crônicas para lembrar o quanto somos estúpidos ao defender este livre capital que não liberta ninguém. Que nossos pequenos pretos viram presidiários porque o pais tem uma dívida histórica com quem escravizou por séculos, isso sem contar os pequenos indígenas, simplesmente dizimados. Que nossos pequenos louros fumam e cheiram a valer, fazendo com que nossos pretinhos nunca saiam de onde vieram, salvo raras exceções. Que nosso 2013, se mundo houver, tenha mais mulheres ganhando exatamente nas mesmas funções que os homens. Que imbecis parem de marcar porradas e assassinatos via redes sociais. Mais crônicas para que todos percebamos estar aí mesmo a cova que temos cavado, ao destruir a natureza, ignorar o próximo ou simplesmente colocar a televisão no timer, achando que tudo se resolve com o limite do cheque especial, o carro do ano e outras quinquilharias absolutamente inúteis quando for a hora de virarmos carne podre.

Precisamos de mais crônicas. Gente falando sozinha em seus textos mesmo que haja uma só testemunha do que escreveram. Melhor do que falarmos sozinhos no metrô abarrotado esperando um progresso que nunca chega, entre o Twitter e ligações sem conversa. Falarmos sozinhos diante do desastre que impuseram ao nosso Maracanã, aos nossos hospitais, escolas, ruas e principalmente gente.

Crônica é para falar de gente.

E isso incomoda a muitos.

O resto é a dor espetada na ponta do anzol.

 
Paulo-Roberto Andel

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