Deixem Lou Reed cantar. É preciso ouvir a reinvenção do poeta. No rosto vincado, a história busca mais passos definitivos além dos que já foram dados. Que cante como rap ou texto falado, mas cante. A generosidade do peso das guitarras a lhe cercar soa como sinfonia, ainda que no inferno – mas o que será realmente o inferno senão nossa própria indiferença contemporânea? As guitarras urram e Lou Reed declama, mais poeta e artista do que nunca. Não importa que seus versos crus celebrem tortura e morte – eles têm um papel importante e, se algo nisso nos horroriza nisso, é porque temos sido muito esquecidos, relapsos e hipócritas com o que acontece à nossa volta. É Lou quem nos lembra e alerta. Deixem Lou Reed cantar. Quando falava de heroína e travestis, o poeta também era discriminado; nossa hipocrisia via nele um símbolo de asco, mas já se passaram quase quarenta anos e o que era asqueroso deve ser lido como visionário. Por vezes, queremos um mundo onde tudo seja belo e magnânimo, rico e saudável, imponente e aprazível, mas o que fazemos para que tais anseios se materializem em bem comum? Nada, mil vezes nada, e é por isso que há importância em que Lou Reed permaneça impávido rumo aos setenta anos de idade, causando a mesma estranheza de sempre. Os ouvidos convencionais rejeitam-no por ora, da mesma maneira que fizeram com o Velvet Underground para depois, amargamente, arrependerem-se. Deixem Lou Reed falar, cantar, gritar e declamar sua poesia intocável, mesmo que ela cause repulsa ou rancor; não cabe fugir das perspectivas da vida. Não podemos nos trancar em abomináveis condomínios de ponta, sem contato com o próximo, degustando a saudável mediocridade da solidão frente à televisão. Não devemos - ou deveríamos – perder tempo censurando as idéias dos outros que têm a ver com arte. O fato é que Lou Reed precisa cantar, porque esta sempre foi a essência de sua vida. As guitarras do Metallica prestam-lhe admirável tributo. Todos precisamos ter noções mínimas de ética antes de condenar a estranheza de qualquer manifestação artística. Deixem Lou Reed cantar, pois está vivo e isso significa alguma esperança da inteligência na Terra. Deixem o poeta cantar: ele está vivo.
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