Wednesday, February 23, 2011

PEQUENOS MURMÚRIOS FRENTE À MULTIDÃO



















II
fácil, tão fácil a paixão
sem biunívocos
ou reciprocidade:
eis você por aí
num romance
numa carícia
ou outra guloseima
qualquer,
enquanto aqui
me liquefaço;
deságuo no mar
imaginário
dos teus seios
cobiçados
ou o colo ansiado.
meu resumo
é te sorver
completa
numa tarde sem vulgares -
a paixão é tão simples!
você e um sonho,
eu e meu tesão de ardor,
nós diante de um abismo
enquanto o mundo
gira perfeito
para hospedar
a nobre decadência humana.


III

quero apenas desacontecer:
assim
minha falácia fenece
e ninguém
perde seu tempo em perceber.


IV

relíquia minha
é o sabor molhado
do teu ventre
no meu desejo
incendiário:
palato em chamas!

e quem acha inconsistente
o fogo aceso no molhado
tem órbita de sobra e pouca prosa,
nem voa rasante
no calor do feriado.


Paulo-Roberto Andel, 23/02/2011

Tuesday, February 22, 2011

PENTA EM PENCAS (REPRISE)



Amigos,
Em 07 de novembro de 2007, publiquei este artigo no OTRASPALABRAS!; nesta data, o Flamengo ainda não tinha conquistado - de forma brilhante e NO CAMPO - o título nacional de 2010, nem o Sport a Copa do Brasil de 2008. Como o tema "está na moda" e para manter a máxima de que vale o que está escrito, esta foi - e É - a minha OPINIÃO. Obrigado pela visita.



Penta em pencas (07/11/2007)

O que não faltam no futebol brasileiro são equívocos das mais variadas naturezas, e a recente discussão sobre o propalado pentacampeonato dos flamengos contra os são-paulinos vem bem a calhar como reforço de tese.

Primeiro ponto, a bobagem de se discutir a origem do que se chama de “campeonato brasileiro” – o que, para alguns, data de 1971. Levando-se em conta, por exemplo, que a Taça Libertadores começou em 1960, tendo como participantes os representantes nacionais dos países sul-americanos, é claro que havia um meio de representação para tal acontecimento. E assim foi: em 1960, o E.C. Bahia, campeão brasileiro de 1959, disputou a Libertadores, na condição de campeão da Taça Brasil. Dali em diante, o campeão da Copa Brasil foi sempre o representante oficial. A Taça era disputada pelos campeões estaduais de todo o país, com a diferença de que os times do Rio de Janeiro e de São Paulo entravam automaticamente na fase final do certame, em modelo muito parecido das primeiras disputas da Copa do Brasil, torneio criado em 1989.

A Taça Brasil teve dez edições, com a seguinte distribuição de títulos: Santos, 5 (1961 a 1965); Palmeiras, 2 (1962 e 1967); Bahia, 1 (1959); Botafogo, 1 (1968); Cruzeiro, 1 (1966).

No mesmo ano de 1967, o então Torneio Rio-São Paulo recebeu uma ampliação, com o convite de times das regiões Sul e Nordeste, como Grêmio, Inter, Atlético Paranaense e Santa Cruz, passando-se a se chamar Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o popular “Robertão”. A Taça Brasil permaneceu como torneio paralelo até o fim de 1968 – a partir de então, o Robertão tornou-se a única competição nacional do Brasil Em 1969, o torneio passou a ser denominado Taça de Prata. Em suas quatro edições, os campeões foram: Palmeiras (1967/1969); Santos (1968) e Fluminense (1970). Até aqui, já tínhamos 11 anos de competições nacionais, inclusive com anos em que um time havia ganho duas competições nacionais (Palmeiras em 1967) e que havia dois campeões no mesmo ano (Santos e Botafogo, 1968).

Então, em 1971, criou-se o chamado “Campeonato Brasileiro”, que já existia de fato há mais de uma década. E deveria ser chamado de torneio ou copa, pois o campeonato pressupõe jogos de ida e volta entre todos os participantes, com acesso e descenso, e isso jamais ocorreu de forma correta entre 1971 e 2003 – mesmo depois, como veremos a seguir. A dita nomenclatura de “Campeonato” Brasileiro nem era unânime à época; álbuns antigos de figurinhas daqueles podem mostrar os nomes de “Taça Brasil” ou “Copa Brasil” em seus títulos. Posteriormente, “Taça de Ouro”.

A cada ano, houve uma fórmula de disputa do torneio. A cada temporada, o inchaço provocado pelos interesses políticos da ditadura militar, num princípio de se “integrar” o Brasil. Depois de anos incríveis, como 1979 (com 96 clubes e os times paulistas entrando automaticamente na fase final de disputa) e 1982 (onde o Corinthians, advindo da “Taça de Prata, espécie de segunda divisão, chegou às semifinais do torneio no mesmo ano), a campanha pela ética e a moralidade no futebol brasileiro foi deflagrada em 1987, logo após o torneio de 1986, vencido pelo São Paulo, em março do ano seguinte – o atropelo deveu-se a confusões administrativas e a continuação da fase final deu-se após o carnaval. Os times de maior apelo popular reuniram-se e resolveram bancar um campeonato por conta própria, a chamada (corretamente) de Copa União. Importante dizer que tudo isso começou porque a CBF resolveu reduzir o número de clubes de oitenta para vinte e oito e, com isso, Botafogo (co-campeão em 1968) e Coritiba (campeão em 1985) corriam risco de serem alijados da competição. Ambos os clubes interpelaram a CBF judicialmente e, com isso, surgiu o Clube dos 13 (Atlético Mineiro, Bahia, Botafogo, Corinthians, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Internacional, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco). O América, terceiro colocado da competição de 1986, foi alijado da competição por decreto, recusou-se a jogar qualquer torneio que não fosse o de elite (com absoluta razão, já que a chamada Copa NÃO foi elaborada com base em critérios técnicos) e, daí, iniciou longa jornada de dificuldades até hoje. O mesmo aconteceu com o Guarani, campeão em 1978 e vice-campeão do torneio de 1986 – porém, os de Campinas concordaram em disputar o que se convencionou chamar de Módulo Amarelo.

Dado o impasse, pois certamente o formato da Copa União contrariava os interesses dos clubes que, em tese, conquistaram suas vagas nos critérios supostamente técnicos (classificação no ano anterior), a CBF interveio com a decisão de cruzar o chamado Módulo Verde (Clube dos 13 mais Coritiba, Goiás e Santa Cruz) com o Módulo Amarelo, composto pelos demais times alijados da disputa pela chamada elite. Esta intervenção deu-se meses antes da fase final da Copa União – que, embora com um discurso renovador, permitiu situações curiosas como a de um time que não tivesse ganho nenhum dos turnos de classificação chegasse às semifinais, que foi exatamente o caso do Flamengo (o Atlético Mineiro foi o primeiro colocado nos dois turnos de classificação, e o time da Gávea entrou como o melhor segundo). Recorde-se que, dez anos depois, uma final de Taça Guanabara previu uma partida final entre o primeiro e o segundo colocados e muitos gargalharam, atribuindo um ar grotesco ao método de disputa. Certamente, se eram rubro-negros, deviam ser para lá de esquecidos.

Particularmente, não tenho dúvidas de que, naquele ano e com aquela fórmula de disputa, o Flamengo seria o grande favorito ao título nacional e a uma das vagas da Libertadores em 1988 – ainda que de forma estranha, alijou o Atlético da conquista da Copa União e bateu um limitado Inter na final do Módulo (este sim, o time gaúcho, tinha todo interesse em “melar” o cruzamento de módulos, pois temia o confronto contra Sport e Guarani, devido ao péssimo momento em que se encontrava tecnicamente). Sport e Guarani nem chegaram a decidir quem seria o campeão do Módulo Amarelo, tamanha era a importância maior de se ir para o quadrangular final – embora isso não diminua a aberração da decisão em aberto após um incontável empate nos pênaltis.

O que atrapalhou os da Gávea foi o gigantismo e a prepotência. O mesmo que se revela de forma agressiva na mídia ainda hoje, que vende a idéia de um time somente no Brasil, o que sabemos há muito ser uma balela. O mesmo que faz uma auto-exaltação diária, como se futebol pudesse ser jogado sem adversários e sem outras torcidas, outras diferenças. Recusaram-se a disputar o quadrangular final e deixaram que a competição começasse, não comparecendo aos jogos e perdendo por W.O. Tinham a certeza de que seriam nomeados por decreto para a disputa da Taça Libertadores. Mas não foi o que aconteceu. E perderam a vaga para a competição sul-americana mais fácil de sua história.

De lá para cá, passaram vinte anos, desordens e muita confusão no futebol brasileiro. O Flamengo viria ainda a conquistar duas Copas do Brasil, em 1990 e 2006, competições nos mesmos moldes que seus antecessores nos anos sessenta o fizeram – e que a chamada massa rubro-negra insiste ingenuamente em não reconhecer, como se o Santos de Pelé, bicampeão mundial em 1962-1963, por exemplo, tivesse chegado à Libertadores por acaso ou convite – e não há um brasileiro vivo ou morto que conheça futebol e não saiba do Santos de Pelé. E ganhou um torneio brasileiro também, em 1992 – cujo sucessor inauguraria uma nova era de ascensões, promovendo doze times à chamada divisão principal.

Anos depois, por motivos até parecidos, em 2000, foi instituída a Copa João Havelange, vencida pelo Vasco, na final contra o São Caetano. Os times vieram de módulos diferentes e, teoricamente, o Vasco poderia sentir-se prejudicado por chegar à final contra um time que enfrentou adversários de nível técnico menos apurado. Mas nem mesmo Eurico Miranda cogitou de não realizar os jogos de cruzamento, ainda que a partida final em São Januário tenha sido suspensa. E o que dizer do Cruzeiro, que terminou o Módulo Azul daquele ano com 45 pontos, seis à frente do Vasco? Imaginem se os oito times que classificaram-se na divisão de elite recusassem-se a disputar a fase final com os demais das outras chaves? Teríamos perdido a oportunidade histórica de ver um time como o do São Caetano, que eliminou em casa Fluminense, Palmeiras e Grêmio, até chegar à grande final.

Patético ainda imaginar que o Flamengo possa “apresentar” protestos por um título que não requereu durante quinze anos. E sabedor que a Conmebol e a FIFA não lhe dariam amparo em tal reivindicação.

O São Paulo, se olharmos bem a história, nem é o primeiro pentacampeão brasileiro. Basta olhar o passado. Mas pode comemorar que ganhou cinco títulos no campo, no que merece absolutos parabéns.

Para finalizar, lamento que Zico, jogador de grande categoria, mas içado ao pantheon de maior de todos os tempos por critérios mais do que discutíveis, tenha expressado o sentimento de que a comemoração são-paulina pelos cinco títulos possa ter sido uma “palhaçada”. Vi Zico jogar, e testemunhei muitas vezes sua categoria em campo, embora tenha presenciado falhas também. O sentimento de comemoração de uma torcida por um título é sempre nobre. E, queira ele ou não, o São Paulo venceu os cinco títulos no campo, sem tapetões ou tentativas frustradas de demonstração de força. E que o Flamengo comemore os quatro títulos, mais as duas Copas do Brasil, porque a competição de 1987, mesmo que para alguns de forma imerecida, foi do Sport - e ele foi reconhecidamente o representante nacional do Brasil em competições, junto com o Guarani.

Zico ressaltou que “quem ganha títulos é o time em campo, e não os dirigentes”. Teria toda razão, não tivesse omitido sua opinião num lamentável episódio da Taça Libertadores da América em 1981, quando o árbitro José Roberto Wright encerrou o jogo decisivo contra o Atlético-MG, após ter expulsado mais da metade do time alvinegro com meia hora de partida. Queira ou não Zico, a trajetória de gala de seu time tem remendos rasteiros, da mesma maneira que todos os chamados grandes times brasileiros. E trata-se apenas de um exemplo.


Paulo-Roberto Andel, 07/11/2007

Monday, February 21, 2011

CANÇÃO DA FRUTA ESCARLATE
















fruta escarlate,
madura mas tão juvenil,
tão pronta de sorver
aos

p o u c o s,

calma e consistente,
na lascívia da gula
vespertina;
ponha teu gosto
em minha boca,
roçando ao leve,
como se fosse a prévia
de um beijo quente

ponha teu suco
na minha saliva,
tão sôfrega por tua carne,
namorada da tua doçura
incipiente

fruta escarlate,
intensa e chamativa,
invoque teu pecado
sobre a mesa, numa louça,
num despreocupar aviltante:
não há nesga de recato –
apenas formosura,
delícia e ardor

penso em morder-te aos poucos,
sem pausa larga;
comer-te viva, desejada -
e cada um a seu suor

sugar-te desnuda, liberta,
lânguida em teu seio;
fisgar tua pele branda,
até que me suje
os novos pêlos do queixo,
em prol da causa válida
no voraz sabor.


(reprise)

Para Sterling Morrison, Maureen Tucker, John Cale e Lou Reed: The Velvet Undergroud.

Paulo-Roberto Andel, 30/01/2008

Friday, February 18, 2011

A SOCIEDADE DA FARSA


















Pela manhãzinha, lembrei de certa passagem do maravilhoso livro de Ruy Castro, “Ela é carioca”, quando Cacá Diegues (este sim, cineasta de verdade) polemizou com os críticos de seu filme “Orfeu”, acusando-os de nunca terem visto “Aurora”, de Friedrich Murnau, clássico cinematográfico do ano de 1927. Muitos dos críticos, claro, ao se depararem com a trajetória oceânica de suas ignorâncias, simplesmente calaram: como enfrentariam Cacá? Para mim, este pequeno episódio é um marco exemplar de como funciona em muitos casos a ânsia debatedora do brasileiro mediano: baseado no “já ouviu falar” ou “eu li no Globo” ou ainda “o Jabor me disse”. De certa forma este comportamento é compreensível porque ainda temos muito a cumprir em educação e cultura (lembrando que a escolarização é um paralelo). Eu perdoo o jovem menino magriço, desnutrido, que padece nos bolsões de miséria que ainda perduram no país, mesmo com a verdadeira revolução neste sentido que se tentou de 2002 para cá. Toda forma, ainda falta muito. Eu perdoo os desassistidos que não tiveram a chance de ler bons livros, aprender a ciência social, que não acessaram as artes porque simplesmente viveram num caos econômico que os alijava destas oportunidades. O que acho imperdoável vem daqueles que tiveram acesso aos meios educacionais, escolares e sócio-culturais e, mesmo depois de ganharam dinheiro e até algum status em suas vidas profissionais, continuam tão ignorantes quanto nos tempos idos. É dessa classe que surgem incensados novos “grandes gênios” da vida cotidiana brasileira – a maioria sem genialidade alguma que não tenha sido obtida sem penhor. Falo dos Mainardis, Jabores e Olavosdecarvalhos, apenas para citar alguns exemplos de fracasso intelectual que é vendido feito “oro”. Sujeitos como estes ganham visibilidade não pela profundidade de suas produções – a de Mainardi, propriamente, é nula – mas porque a classe ignara intelectualmente e bem-disposta financeiramente os elege como “heróis”, para assim poderem abrir mão da discussão, da troca de experiências intelectuais, da visão em trezentos e sessenta graus da sociedade, do entendimento do outro. Fica mais cômodo e fácil repetir abobrinhas como “o Mainardi disse”, “o Jabor falou”. Beira o ridículo, tão ridículo quando, em certa oportunidade, um sujeito que estudou comigo, advindo de classe economicamente carente, mas hoje vivendo com um excelente salário estatal (e poucas horas de empenho profissional), vir me dizer que só o capitalismo constrói e o resto que se dane; ora, todo o direito de crer nisso, mas fazer discurso com o dinheiro do contribuinte no bolso? Faça-me o favor, é não olhar para o próprio espelho e passado, é não se enxergar como monstro. Mesmo um leitor de Fitzgerald ou Hemingway pode ser um idiota se não olhar para o lado, o outro, o próximo. Acabo me perguntando se tenho chance ainda de conviver suma sociedade dominada por verdadeiros picaretas da intelectualidade, que tentam prevalecer com suas falácias mofadas porque a maioria da população ainda está escravizada pelos pagodinhos, pelos jornais sem texto de cinqüenta centavos, pela mentiras editadas do casal global, pelo fascismo esportivo de Prado, pelos escombros mentais de Kamel. É isso: não tenho como tolerar qualquer sujeito que, ao se formar quase gratuitamente (não me venham com conversinha de grandes impostos pra a universidade pública) e ganhar muito dinheiro a posteriori às custas do Estado que o formou, ser porta-voz de raciocínios que já eram considerados excludentes há cinqüenta anos. Não se trata de desrespeito intelectual, mas sim revolta contra um aviltante mau-caratismo. O país está cheio de geniozinhos auto-declarados, confiantes nos argumentos fascistas das pseudo-revistas, assim como de críticos de Orfeu que nunca viram a Aurora de Murnau. Li que alguns mais sóbrios começaram a perceber que os Estados Unidos, com sua “sede” de democracia e liberdade no mundo (vide milhões de mortos no Iraq), sempre apoiaram a ditadura de Mubarak por trinta anos, sem nunca terem movido uma palha sequer contra o eterno país aliado. Por outro lado, os bobos-alegres hão de vibrar com o “apoio norte-americano à libertação do povo egípcio”. Ha, ha, ha! Felizmente ainda sou um democrata: li num sítio qualquer que Olavo de Carvalho considera “Aurora” um dos grandes filmes de todos os tempos. Isso talvez queira dizer que nem tudo está perdido ainda. Mas somente ainda.


Paulo-Roberto Andel, 18/02/2011

Wednesday, February 16, 2011

AMOR SOB ESCOMBROS
















A belíssima (e triste idem) foto de André Durão, do Globo Esporte, me soa como uma poesia seca, rascante, tirada a fórceps de um ventre doente.

Durante trinta e dois anos eu frequentei esse lugar como se fosse a minha própria casa. Sonhei com ele. Coisas que vi acima destas pedras estão intactas em minha memória.

Quantas vezes não cheguei bem mais cedo do que o necessário, apenas para espiar o gigante de concreto que é (ou foi) uma verdadeira bandeira da pátria brasileira? Muitas e muitas. Mil partidas.

Foi no Maracanã que andei de mão dada com meu pai pela última vez.

Bola dente-de-leite e os amigos do Cìcero Penna para bater uma pelada na geral. As traves eram feitas com caixinhas de leite CCPL.

Geraldo fez um golaço em Mazzaropi, a massa botafoguense ajoelhou e chorou. Eu estava com eles.

O gol de bicicleta de Romário. O pênalti que Paulo Goulart defendeu de Zico, muito antes de 1986. O maior três a dois de todos os tempos. Os risos do Xuru. O maravilhoso pó-de-arroz jogado pelo Careca. Cachorro-quente Geneal e refrigerante na máquina que os vendedores traziam nas costas. O bandeirão Tricolor que minha mãe costurou para mim. a massa flamenga em êxtase, muitas vezes antes de uma grande derrota. A força vascaína. A minha pátria amada das Laranjeiras. Alvaro Doria em claros delitos. Mil histórias.
Será que, em nome da modernidade e do futuro, era preciso fazer isso com o Coliseu do futebol?

A copa do mundo dura um mês. O Maracanã tinha sessenta anos.

Fluminense, Botafogo e Gávea têm mais de cem.

Foi uma morte lenta. Várias obras que nunca levaram em conta o verdadeiro espírito do lugar. Aos poucos, tiraram os pobres de dentro do estádio, ao menos como pagantes ou puladores de grades. Agora reclamam que as pessoas não têm ido ao Engenhão; como esperar um banimento de hábito e uma mudança a seguir tão rápidos? Agora, mais agora, uma demolição disfarçada. Não entendem que o Maracanã era o templo sagrado, intocável. Há palácios mais modernos do que o Taj Mahal, mas quem seria louco de pô-lo abaixo por isso?

Cristóvão deu um grande drible e Manguito desabou. Mendonça nos trucidou. Assis e Romerito foram a redenção. Roberto e suas precisas finalizações. Leandro e seu toque de bola inconfundível. Edinho, o craque da defesa. Luizinho, rei dos gols. Paulo Victor, discípulo de Castilho. Não é preciso falar de Didi, Garrincha, Pelé - todos sabem o que isso quer dizer.

Neste lugar, vivi grandes dias dos melhores anos de minha vida.

Colocaram minha infância e adolescência em destroços.

Ingenuamente, espero que não tenha sido em vão.


Paulo-Roberto Andel, 16/02/2011


Tuesday, February 15, 2011

A PAREDE PRETA


Paulo-Roberto Andel, 15/02/2011

Monday, February 14, 2011

UM FENÔMENO



















Acompanho futebol regularmente desde 1978, o que totaliza praticamente trinta e três anos, dependendo do mês de referência. Nos últimos dezessete ou dezoito, invariavelmente alguma conversa sobre o esporte fazia surgir o nome do então Ronaldinho, depois Fenômeno e, mais à frente, Ronaldo; para finalizar, o acréscimo do sobrenome: Nazário.

Diga-se o que disser, um dos maiores jogadores brasileiros de todos os tempos.

O maior artilheiro da história das Copas.

O jogador que, com seu talento, fez rever a imposição de um estilo europeizado ao nosso futebol. Em alguns momentos, fez com que lembrássemos de outros craques do passado e de como era bom quando nosso futebol era diferente dos outros: talento, técnica, apuro.

Um sujeito que desafiou definições e paradigmas, conseguindo dar a volta por cima depois de situações que beiravam o impossível. Quem podia imaginar que, depois da rótula solta atuando pela Internazionale de Milano, ele ainda faria a diferença, seria artilheiro de um campeonato mundial e pentacampeão?

No limiar da carreira, a vontade de jogar pelo Flamengo não se materializou. Culpa da dirigência da Gávea, que fique bem claro. O Corinthians era uma despedida à altura e ainda houve lampejos de genialidade absoluta, alguns contra o meu amado Fluminense, outros como naquele golaço contra o Santos pelo campeonato paulista, encobrindo Fábio Costa.

Todos temos vivido ao vivo a trajetória de Ronaldo, com seus inúmeros acertos e alguns erros, muitos prós e alguns contra. Uma vida humana, de um garoto que saiu da miséria para dominar o mundo com sua profissão. É certo que queríamos dele uma perfeição impossível em nosso imaginário popular. Há como imaginar um garoto de 25 ou 28 anos multimilionário e com todos os títulos possíveis no esporte que pratica? Ninguém fica impune a isso, o que ajuda de certa forma a busca pelos prazeres da noite, alguns incompatíveis com a vida atlética. Mas aqui não sou um juiz.

Muitas vezes Ronaldo fez rir e chorar. Sofremos com aquela derrota de 1998, mas vibramos muito com 2002. Os europeus o chamaram de fenômeno, com razão. E as poucas – mas fantásticas – vezes que Ronaldo tabelou com Romário? Outras mais, com Rivaldo (mesmo que talvez contra a vontade) e o Ronaldinho, que lhe tirou o diminutivo? Os deuses da arte e do futebol agradecem.

Aos trinta e quatro anos, é bastante provável que, dentro de uma hora, Ronaldo dê adeus ao esporte mais amado e consumido em todo o planeta. Não sejamos tolos de olhar um único ponto numa reta enorme: a história desse garoto dá filme e livro. E digo garoto porque eu gostaria de ter trinta e quatro anos e olhar tudo o que ainda teria pela frente. Maravilhoso, provocante e apaixonante, o futebol também é ardiloso: ainda em idade curta, os profissionais precisam parar de jogar; é a lei do processo físico. Ele deixará os gramados onde fez uma história inesquecível para sempre, mas ainda é um garoto com tudo o que terá para fazer daqui por diante. Eu fico agradecido com todos os ótimos momentos que ele proporcionou a mim e a milhões de brasileiros que, muitas vezes, tiveram num golaço dele as suas únicas alegrias de um dia ou semana.

Obrigado por tudo, Fenômeno.


Paulo-Roberto Andel, 14/02/2011


PS: Este artigo de hoje serve de homenagem não somente ao Ronaldo, mas também ao Wal - que há se recuperar no hospital – e ao time do América, que há se recuperar de tudo.

Monday, February 07, 2011

(DES)(RE)CONSTRUÇÃO E LASCÍVIA














II


Eu não queria ir fundo até o Leme
para recordar o que já não volta -
é que agora sou outra bossa, outro
samba de piano malandrinho
e o que parece tão seguro em mim
choca ligeiro feito mar às pedras:
tudo saudade sem fé.

III

eu e o cedo
cedo
cedo
nem t ã o
breve
que me desvele
eu e o tema
amor de pranto
que não fere:
apenas unguenta.

IV

eis que meço uma assimetria
enquanto alguém remexe
num lixo.
um louva-a-deus?
um deus-dará?
para florescer o céu celeste
da tristeza,
tanto faz.

V

quero mostrar felicidade
enquanto me divirto
ouvindo Nick Cave.
definitivamente
não careço de oposição.

VI

aquela mulher
que me leva às nuvens
e sequer desconfia.
quase sempre surge nua,
lúcida e saborosa
em meu sonho-poema:
um delírio psicodélico
sem sustento
por mais de hora e meia
e gozo lancinante.
aquela mulher
que me oferece desinteresse
não cogita que,
ao pouco longe,
ambiciono sua carne livre
e perfumada,
sua secreção de prazer
líquido e abundante -
eu cogito seu mar de tesão
que não me traz à tona
e, por isso mesmo,
basta ejacular o só!

paulorobertoandel07022011

Thursday, February 03, 2011

FUTEBOL EM TRÊS ACTOS


I

O futebol não existe sem o outro, por mais que seja um jogo e, dentro dele, haja um oponente. Não existe Flamengo sem Vasco, Fluminense sem Bangu, Botafogo sem Olaria, uns sem os outros. O que move o futebol como tradição secular mundial é exatamente isso: os outros.

Vejam o jogo de ontem: não tinha nada para lotar um Engenhão, exceto a estréia de um dos últimos representantes daquele futebol que, segundo Álvaro Doria, era “outro esporte” se comparado com o hoje, menos técnico e muito mais dependente da questão física. E justamente na exceção é que se justifica o estádio apinhado, com gente saindo pelo ladrão (sem nenhum trocadilho). E então estreou Ronaldinho no Flamengo, e então a cidade parou: uma multidão a favor, outra contra e todos querendo ver o velho e grande futebol de antigamente na figura do rapaz dentuço, multimilionário e amante das coisas boas da noite.

Não foi uma partida de brilho intenso, embora com momentos muito interessantes. Descontemos as hipérboles intergalácticas que cercam a Gávea a todo instante. Quero falar de um dos momentos mais bonitos que vi no futebol dos últimos tempos: terminada a partida com a vitória rubro-negra, o extenuado Ronaldinho fez questão de cumprimentar os milhares de torcedores que pagaram (caro) para vê-lo. Via-se no jogador uma profunda emoção, misturada a agradecimento, que ficou evidente quando ele passou a saudar à massa presente curvando o corpo para, a seguir, com a voz quase embargada, falar com a imprensa ainda no gramado.

Ronaldinho ganhou tudo. Aos trinta anos ou perto deles, já ganhou o mundo com suas jogadas fantásticas, grandes gols e grandes títulos. Foi o melhor de sua geração, ainda que tivesse rivais à altura que jamais confirmaram o muito que deles se esperava, exceto por lampejos: Felipe, Roger e, num plano acima - mas com poucos degraus a mais - Alex. Muitos afirmam que sua opção em jogar no Rio foi por conta da imensa vida noturna da cidade. Será que só isso o faria deixar a belíssima Milano? Não creio.

Muitas vezes, meu texto exige piadas contra a Gávea, bem-absorvidas pelos meus amigos que a ela dedicam amor; noutras, nem sempre. Hoje, é diferente. Ronaldinho teve uma atuação modesta, mas o fim do jogo reservou uma emoção incrível não somente para ele ou os presentes às arquibancadas, mas para todo mundo que teve a oportunidade de assistir via televisão ou internet. A maneira como se dirigiu aos torcedores mostrou humildade, respeito, dignidade e, por um instante, isso transcendeu às paixões clubísticas. Muitas vezes, em vídeos, quem vi fazer coisa assim foi Pelé, não por acaso o maior de todos os tempos. Não era preciso ser um flamengo para aplaudir e se emocionar com o final do jogo de ontem, mas sim digno e confiante na esperança que ainda pode resgatar o ser humano, muitas vezes somente vista numa partida de futebol.

O meu amado Fluminense volta a campo hoje, luta pela Guanabara e torcerei com todas as forças pelo almejado título estadual. O Fluminense me basta, o Fluminense é minha cobiça incessante. Independentemente do que aconteça, um dos grandes momentos deste campeonato e deste ano foi visto ontem no Engenhão, num lindo gol de Ronaldinho que não balançou redes, mas corações.


II

Ricardo Gomes é o novo técnico do Vasco.

Quem era criança ou adolescente Tricolor como eu, no começo dos anos oitenta, não tem como não reverenciar Ricardo. Era o paradigma do zagueiro: clássico, elegante, firme sem ser violento, impecável no senso de colocação, com enorme disponibilidade técnica, bom cabeceador, excelente chutador. Perto dele, de trinta anos para cá, só Thiago Silva. Ricardo era o grande capitão dos Tricampeões daqueles tempos. Mais tarde, pela incontestável força do capital no futebol, ganhou o mundo: Portugal e França. Teria sido o grande capitão da vitória em 1994, não fosse uma contusão às vésperas da Copa – era o homem de confiança de Parreira.

Como treinador, jamais conseguiu resultados à altura de seus feitos em campo. Trabalhou aqui e ali, passou pelo meu amado Fluminense e foi até constestado – o que sempre me incomodou. Ele é botão do meu time, isso diz tudo. É claro que entendo o fato: muitas vezes, fora de campo, grandes craques não conseguem repetir êxito como treinadores – até nisso, Pelé foi sábio, pois nunca arriscou o pescoço à beira do gramado.

O Vasco é meu rival, não meu inimigo. Ele é o outro, é um dos outros; sem ele, o Fluminense não existe.

De um ano para cá, por causa de um torcedor imbecil da Colina (que, evidentemente, não reflete nada da gigantesca e apaixonada torcida cruzmaltina) que quase me fez perder a cabeça e fuzilá-lo, por conta de seu baixo nível contra meus amigos num trem de Metrô, cheguei até a deixar um pouco de lado minha simpatia pela Colina, casa de meu inesquecível amigo Xuru. Deixar somente um pouco, diga-se de passagem: o respeito ao time que inventou o negro e o pobre no futebol brasileiro não poderia parar por conta de um imbecil drogado e com ares de malandro calça-frouxa. Com Ricardo Gomes, a coisa muda de figura. São Januário está desfraldando uma verdadeira bandeira Tricolor no gramado, justamente num momento de pavorosa crise.

Meus olhos estão no Tricampeão, mas uma bela lembrança agora veste a camisa cruzmaltina. Título não, claro e com risos, mas tomara que Ricardo finalmente mostre à beira do campo ao menos parte do colossal talento que me ofereceu um dia, nos gramados e mesas de futebol de botão, quando era um dos maiores craques do futebol brasileiro de todos os tempos.

Oxalá.


III

Ver o Maracanã do lado de fora me angustia quando passo pela Radial Oeste.

A troco de quinze dias com partidas a quinhentos reais de ingresso, espatifaram tudo.

Para fazer o que estão fazendo, mesmo com a dor que me custaria, era melhor terem derrubado o templo sagrado do futebol mundial. Pior: o Maracanã nunca mais vai ser como antigamente: democrático, pluralista, com ingressos para todas as classes sociais e suas disponibilidades de renda.

Ronaldinho Gaúcho merecia um Maracanã lotado ontem, e isso não quer dizer qualquer depreciação ao Engenhão. Apenas questão de tamanho, tradição e festa.

Tenho medo de como o Maracanã será depois da Copa.

Paulo-Roberto Andel, 03/02/2011