1
Quem há de alimentar nuances românticas
Diante da aponevrose siamesa da carne especulada
Em seu vermelho vivo de morte, sob a égide de um gancho
Banhado em mar-de-prata?
Os que celebram féretro feito banquet.
2
ao riso que não souber
ser
pranto
por um dia,
resta que se faça espanto
que se veja estreito -
nobre recruta à nostalgia
nem que seja
por um
momento
3
daquilo
que não fira a pátria
pode suceder
um fruto carnoso
e aprazível
disfarçado
de sociedade.
quem irá cortá-lo?
4
não sou nau
de beira-mar
a navegar no raso –
um passo em falso
rumo ao fútil
só oceanos
têm meu anseio,
todos à profundeza
extrema
que só se vê
no volátil
5
minha melhor definição é dizer
que não sei decifrar a cabeça
que me pertence:
mais fácil é sempre tentar desenhar
o engano do outro
da outra cabeça
que pode ou não desacontecer
6
Mausoléu
Abro o álbum e Tatiana parece tão linda como sempre, com seu sorriso de mistério inglês, olhar de pedra preciosa e nariz romano, devidamente disfarçada com certo chapeuzinho que lhe dei. Há um carnaval e um Brasil cheio de velhas novidades, a desfraldar as bandeiras do futuro, muito distante do logro que se vê. E Tatiana parece linda e jovial, linda e delicada, mais-que-linda a ponto de me fazer esquecer, por uma fagulha de momento, que está morta. A realidade a saltitar nas veias é arma lancinante contra meu peito. A beleza de sua voz nunca mais ecoará em meus ouvidos, com as frases curtas, estudadas e temperadamente poéticas. Os arredores não sinalizarão o corpo pequeno e farto de predicados. Sejam abraços, carinhos ou pequenos gestos de amor, tudo se faz e fará milimetricamente desintegrado. A doçura das mãos tímidas, envoltas em pele sedosa e tão confortantes, capazes de massagens santas, será apenas ausência. Nada por perto, longe ou do outro mundo me permite a esperança de sua existência e, se estivesse em outros lençóis, oferecendo dádivas de paixão, continuaria sob a plenitude da morte. E mesmo que fosse ainda mais linda, bem-sucedida, exata e permanentemente feliz, não disponho dos meios de resgatá-la da condição morta. E mesmo que as flores estivessem mais escarlates e vívidas do que nunca, o perfume exalado me lembraria de que está morta. Penso na injustiça de não mais vê-la, escutá-la sequer num bom-dia fugaz. Penso num coração que já não sonha e nem decora estrofes; penso nos seios dionisíacos que não mais ousam intumescer, nos cabelos de metal nobre e camomila que não mais sugerem afago e mais: meu lamento é saber que este momento não sugere mágoa, torpor, desrespeito ou desejos quaisquer que estejam mal-resolvidos – o que ele diz, na verdade, é de toda a fragilidade que ronda nossa carne e nossos pensamentos neste intervalo chamado vida. Seria mais fácil viver um rancor do que a insanidade cotidiana desenhada nas agruras do mundo, que simplesmente o é. Também não cabe esculpir uma saudade. Afinal, os livros vão nascer e cada um de seus poemas voará por corações solitários às brisas. Aos vivos, caberá o sofrer; aos ricos, um milionário licor de gosto vazio. Haverá risos nas tabernas, enquanto a injustiça semeará ruas. Haverá vida. Entretanto, Tatiana está morta, e só lhe cabe a ressurreição em pequenos escritos e lembranças esparsas, todas de tamanho equivalente às que findam o momento espalmado de visar esta fotografia. Tatiana está morta e seu mausoléu é um retrato. Quero apenas um troféu, feito de ver a dança de Juliana.
paulorobertoandel13012010