Friday, August 28, 2009
PORTO SEGURO
pelo imperfeito
e sonha
e sonha
tem na mente um pleito
que não se encerra
e reverbera
e ecoa na cobiça
mais sincera
erótica de pedra, um ponteio
anseia e navega
nas cátedras de sonho
pupilas de maldade fraca
e o coração que não se engana
um túnel de desejos
estrelado em luzes
que parece até
o cós de Copacabana
paulo-robertoandel 28 08 2009
Wednesday, August 26, 2009
Friday, August 21, 2009
ENCEFÁLICA I E II (REPRISE)
I
encefálica
intracraniana
parafernália
de natureza
imprevisível
máquina de medos
sonhos, receio
e volúpia
almanaque
fotográfico
pretobranco
ou sépia –
de onde emana?
duma lobotomia
anatômica?
duma trepanação
programada?
física, fálica
nítida e drástica.
II
encefálica
enciclopédia de mil naturezas
incerteza infinita
entre velas acesas
entre rigor e fé
contra o perverso rancor
encefálica
enfática pirâmide
onde cada pedra
é mistério no deleite de viver
imerso no raciocínio
encefálica
metáfora acoplada
numa caixa miolada
que inventa sete vidas
oito sortes
e um genocídio.
paulo-roberto andel
Thursday, August 13, 2009
POEMAS DO SER - PARTE I
I
é o espelho da sala
em cacos e cacos
são estrelas cadentes
são contos finados
peças pontiagudas
lâminas afiadas
que oferecem
pequenos retratos
de esguelha
do que, um dia,
foi a melhor imagem
ou coisa que a valha –
é o espelho em pedaços
a vida em miúdos
e um auto-retrato
II
dor do inferno?
peixe-pequeno!
meu drible ainda é firme
meu olhar tem sete vistas
basta uma nova droga
um toque de repouso
e a vida
volta à vida
com suas
mentiras
contos
desejos
algum realismo fantástico
e a sodade megulhada
num mar de sal, iludida
III
repara
a brecha na janela
é a terça azul
que vocifera um feriado:
o sol de exigências
a comida rotineira
vitrines de renascença
e o conformismo na tevê
repara a terça, a brecha,
o teto
os urros de amor
num romance avizinhado:
a lascívia, saborosa,
mora na casa ao lado
repara o quente
que lhe aperta
o dorso nu
que se encerra
a secreção que interessa
repousa
namora
sofre e ri
paulorobertoandel140809
Friday, August 07, 2009
UM TEXTO DE FERNANDO DE CASTRO
JB ONLINE - 23/9/2005
Novo dia, as mesmas filas. De segunda a sexta-feira, as filas de rotina. No banco, para pagar o que é devido. Na padaria, para exigir pães quentinhos. No engarrafamento, em horários de pico. Na lotérica, para nunca ganhar na loteria. Fila quilométrica para virar gari. Nos postos da Previdência, para aposentados e pensionistas. Nos quartéis, para defender a pátria, fazer polichinelos e aprender disciplina. Filas em Brasília, para se maltratar a língua e interrogar asneiras aos depoentes de CPIs. Fila para fazer check-in, pedir autógrafos e comprar eletrodomésticos em promoção nas Casas Bahia. No fim de semana, as filas recreativas.
Para o filme que a crítica elogiou e para um café antes do filme. No teatro, incluindo a fila do camarim, para elogiar a direção e o elenco com frases feitas que contenham ''visceral'' e ''perturbadora'' no meio. Para uma mesa no fim de tarde no Baixo Gávea. Para entrar no estádio e apanhar da outra torcida. E fila na delegacia para reclamar os pertences perdidos, e nos hospitais públicos pra quem não tem alternativa. E no IML, pra reconhecer um defunto encontrado por mais uma bala perdida. E as filas duplas, com a promessa de se voltar rapidinho: da farmácia, da locadora, do caixa-eletrônico, da banca de jornal, do bingo. A fila que anda, que tem que andar, na gíria das meninas e dos meninos. A fila do beijo de língua no maior número possível de estranhos pelo justo prazer de trocar salivas; e os trenzinhos safados nos bailes funk, que acabam em aids ou filhos. Os viciados fazendo fila para as fileiras de cocaína.
Os indigentes enfileirados por um prato de comida. Os pretos e pardos acuados e perfilados contra o muro, com as pernas abertas e as mãos na cabeça durante a revista. Filas religiosas, pra receber o corpo de Cristo ou consertar paralíticos. Fila para subir o Corcovado, pra andar de bondinho. E as filas de supermercado, onde o primeiro é sempre um cretino que espera pacientemente chegar sua vez pra na hora não se decidir entre dinheiro, cartão ou tíquete.
Onde o próximo sempre é uma dona-de-casa em crise que esqueceu de pegar mortadela, cotonete, rabanete, iogurte, um quilo de pá, acém ou patinho, e que leva uma hora pra voltar, com a promessa de que só vai demorar um minutinho. E atrás dela uma senhora antipática ocupada em proteger a bolsa e julgá-lo pelos tênis velhos ou pelo cabelo esquisito; ou um sujeito com cara de homicida disposto a ficar duas horas em pé para pagar por um pé de alface, um punhado de acerolas e um pedaço de gengibre; ou uma gordinha impaciente a um passo de fazer todo mundo refém, motivada pela demora e pela crise de abstinência de bacon e batata-frita.
E aqueles que conversam, que puxam assunto, que começam com um inocente comentário meteorológico e, quando se vê, já estão tentando lhe vender uma propriedade em Mauá, um bagulho do bom ou um seguro de vida. Não deixa de ser irônico. Saímos das cavernas, atravessamos guerras, descobrimos curas, inventamos o avião, a privada, a descarga e o chuveirinho, pisamos na Lua e prorrogamos o tempo de vida pra isso: Pra mofarmos nas filas.