Cheguei ao Maracanã por volta de sete da noite de ontem, ainda bem cedo para o jogo entre Fluminense versus Corinthians, que iria começar lá pelas dez da noite, tal como manda o catecismo televisivo.
Um ritual que tenho mantido há muitos anos, o de chegar cedo.
Gosto de adentrar o Maracanã silencioso, reparar as nuances do estádio; perceber o silêncio absoluto de um lugar onde, poucas horas depois, milhares de torcedores se esgoelam e, findo o jogo e estampado o "boa noite" nos telões, em minutos volta toda a calmaria de antes.
Celebrei um bate-papo com uma simpática senhora, aos pés da rampa do metrô, a rampa da UERJ, tudo minha velha casa, enquanto esperava o amigo Dória. Ela, a senhora, gosta do Thiago Neves. Respeitei. Tive mais cerimônia ainda quando ela comentou que tinha visto o título mundial do Fluminense no Maracanã, ainda garota - feitas as contas, cinquenta e cinco anos atrás. Está perto dos setenta. Aplaudiu o Telê. Viu tudo.
Antes da velhinha, foi divertido ver o carro de transporte de cargas vivas da PM, leia-se cavalos. Vários soldados apoiando pelas pernas um outro, que tentava sem sucesso abrir a porta-rampa para a descida dos bichinhos - que fique bem claro, os cavalos. Há tanto cheiro de desrespeito, corrupção e morte nos arredores da PM, que não deixa de ser interessante os sujeitos em uma ação quase hilária para quem pôde ver.
Prestes a comprar o ingresso, nova piada. Veio o cambista, oferecendo o tíquete a quinze mangos. Dória mandou chamar o chefe, passou-lhe meia dúzia de safanões verbais: o cambista-mor não tinha vendido-lhe o ingresso do jogo de estréia do Engenhão, Fluminense versus Botafogo, por quarenta mangos. O atravessador considerou as palavras justas e, constrangido, cotou o ingresso a dez reais. Justiça social, se é que me entendem.
Adentramos Maracanã.
A eterna rampa, ladeira para caminho de glórias e dissabores, emoções de vida. Um frio cortante. Resolvemos, eu e Dória, dar voltas pelo corredor circular do estádio e manter o aquecimento, enquanto os Sussekinds não chegavam. Uma, duas, várias.
Quando finalmente acessamos as arquibancadas verdes, bem do lado da tribuna, veio-me um sentimento distante, de uns vinte e cinco anos precisamente, provocado pelo vazio do estádio. Era outro Fluminense e Corinthians, era 1982, era o Torneio dos Campeões vencido pelo América. O TC foi disputado antes da Copa do Mundo, e o Flu vivia mergulhado em crise: tinha sido apenas o quinto colocado do certame nacional, eliminado pelo Grêmio que viria a ser campeão do mundo no ano seguinte. E já estava há dois anos sem títulos. Ria você, que é jovem; naqueles tempos, era assim. Enfim, veio o dito Torneio e a pequena torcida Tricolor preparou nas gerais, hoje extintas, a cerimônia de "enterro" do então presidente Silvio Kelly. Naquele dia, fui sozinho, meus amigos não quiseram ir; o ingresso era por demais barato, bebia-se mini-leite CCPL e o velho Geneal estava de pé. Mesmo com um caixão fake, foi a primeira vez que vi algo parecido com um enterro em minha vida, e tive medo. Era um sábado à noite, baixíssimo público e o Corinthians acabou vencendo por um a zero, cujo artilheiro não me lembro. De toda forma, o futebol tem a velocidade horária de Mercúrio: menos de dois anos depois, os mesmos clubes estaria decidindo uma das semifinais do campeonato brasileiro - e o Flu venceria.
A dez minutos do jogo, devem ter chegado umas cinco mil pessoas, mais os dois Sussekinds, fato que espantou a hipótese de eu ver um jogo dos mais vazios de minha história esportiva. Lembro de três. Fluminense vencendo o Americano por uma a zero em 1981, com uns 1.300 pagantes. Fluminense vencendo a Portuguesa de Desportos por dois a um, de virada, gols de Djair, pelo campeonato brasileiro de 1994 - e seiscentos pagantes. Teve também um América e Bangu, isso mesmo, muito vazio, 1982. Desse, não recordo.
O primeiro tempo foi melhor do que o segundo. Fizemos um belo gol com o Pantaneiro e poderíamos ter feito mais, não fossem a desplicência Tricolor e o excelente goleiro corinthiano Felipe - que, aliás, cairia muito bem nas Laranjeiras para a Libertadores. Desplicência. Estamos ainda lutando por uma colocação de ponta no campeonato, e isso é bom. Porém, quando o Corinthians empatou, em mais uma falha do goleiro Fernando, faltou força para reagir. Pontos perdidos, desperdiçados mesmo.
No fim das contas, o desempenho Tricolor e a raça do limitadíssimo Corinthians foram os parâmetros para o empate final em um tento. Renato Gaúcho é um Deus Fluminense, mas entendo que não foi bem nas substituições: quando colocou Gabriel, deveria ter deixado Fabinho - que, rara e incrivelmente, estava bem e com bom poder de desarme. Arouca veio mais para trás e isso tirou o arranque do time, sem contar a ausência de Thiago Neves, provocada única e exclusivamente pela mesquinharia que domina o empresariado do futebol. Perto do fim do jogo, juntos estavam o extenuado Alex, mais Somália, Soares e o repatriado Adriano Magrão - o quarteto não inspirava nem velocidade, nem toque de bola ou criatividade.
Durante o jogo, um torcedor perto de nós gritava a cada bola parada um "É gool! É gool!" de tal forma que parecia um cachorro em latidos profundos, ou mesmo o cantor de uma banda de death metal. Particularmente, acho que isso espantou o segundo gol de Laranjeiras. No mínimo, atrapalhou.
Estar desde já na Libertadores é um grandioso conforto. Contudo, podemos ir mais à frente. Podemos e devemos.
Quando o jogo acabou, eu pensei basicamente em duas coisas.
Uma, o velório do Sílvio Kelly, e tudo o que veio depois daquele sábado à noite vazio no Maracanã, com derrota.
Outra, o Fla-Flu.
O Fla-Flu está por perto, muito perto. Precisamos, como sempre, nos agigantar.
Paulo-Roberto Andel, 04/10/2007
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