Vi, sim
Tenho visto quase tudo nessa estrada longa
Que não sei onde dará
Eu vi a dor, o choro
As mãos esmolando
Eu vi o desespero
Vi a indiferença, o dar de ombros, o nada a ver com tudo
Vi a solidão, a melancolia e o desprezo
Mas também pequenas esmolas de felicidade
[Esta cidade tudo oferece para você que tem dinheiro
Eu vi mortes horríveis por balas perdidas
fornos de microondas
e esquartejamentos
Vi pessoas famintas nas portas de mercados e
em filas de hospitais
Eu vi amores morrendo e nascendo, amores abortados, corações solitários e corpos desejosos
E vi o êxtase dos abraços no Maracanã
As vozes da alegria na Quinta da Boa Vista
Vi uma criança com seu balãozinho, outra com sua tampinha de garrafa e a terceira admirando um avião
Que aqui não pousará
Eu vi vítimas de incêndios e grandes acidentes
Mas também agradáveis companhias em ônibus de viagem
Vi o fogo de conselho em seus momentos derradeiros e alvoradas esperançosas
O livro dos dias com trabalhadores indo e vindo
Vi notícias populares, trágicas, quase felizes
No coração da Central
Às seis da tarde
E ainda não posso parar
Não tenho direitos
Eu virei uma alma penada de meu
próprio cotidiano
Mas ainda tenho o que dizer
Oh, lindos litorais e pontes arrebatadoras, vocês ficam para trás
Gatas alucinantes e bares de mil conversas, também
Eu vi o céu e o inferno no mesmo tecido da toalha que me enxuga
E rancores indiscretos
Escrevi vinte mil páginas para dizer qualquer coisa, mas não tenho mais paz - nunca tive - é uma busca inglória
Eu vi minha vida escorrendo em vão
Mas ainda tenho algo
a dizer - quem sabe várias coisas desimportantes?
E só preciso de uma mísera esmolinha de felicidade
Uma simplória mudança pela felicidade
em moedinhas humildes e sem brilho
Uma moedinha, uma república
@p.r.andel
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