Sunday, November 03, 2024

Vi

Vi, sim

Tenho visto quase tudo nessa estrada longa 

Que não sei onde dará 

Eu vi a dor, o choro

As mãos esmolando

Eu vi o desespero 

Vi a indiferença, o dar de ombros, o nada a ver com tudo

Vi a solidão, a melancolia e o desprezo

Mas também pequenas esmolas de felicidade

[Esta cidade tudo oferece para você que tem dinheiro 

Eu vi mortes horríveis por balas perdidas

fornos de microondas

e esquartejamentos

Vi pessoas famintas nas portas de mercados e 

em filas de hospitais 

Eu vi amores morrendo e nascendo, amores abortados, corações solitários e corpos desejosos

E vi o êxtase dos abraços no Maracanã 

As vozes da alegria na Quinta da Boa Vista 

Vi uma criança com seu balãozinho, outra com sua tampinha de garrafa e a terceira admirando um avião 

Que aqui não pousará 

Eu vi vítimas de incêndios e grandes acidentes

Mas também agradáveis companhias em ônibus de viagem 

Vi o fogo de conselho em seus momentos derradeiros e alvoradas esperançosas

O livro dos dias com trabalhadores indo e vindo 

Vi notícias populares, trágicas, quase felizes

No coração da Central 

Às seis da tarde


E ainda não posso parar

Não tenho direitos 

Eu virei uma alma penada de meu 

próprio cotidiano 

Mas ainda tenho o que dizer

Oh, lindos litorais e pontes arrebatadoras, vocês ficam para trás 

Gatas alucinantes e bares de mil conversas, também 

Eu vi o céu e o inferno no mesmo tecido da toalha que me enxuga

E rancores indiscretos

Escrevi vinte mil páginas para dizer qualquer coisa, mas não tenho mais paz - nunca tive - é uma busca inglória

Eu vi minha vida escorrendo em vão 

Mas ainda tenho algo 

a dizer - quem sabe várias coisas desimportantes?

E só preciso de uma mísera esmolinha de felicidade

Uma simplória mudança pela felicidade 

em moedinhas humildes e sem brilho 

Uma moedinha, uma república 


@p.r.andel

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