Sunday, October 13, 2024

Dia Mundial do Escritor

Dez da noite de domingo, todos recolhidos, então meu amigo Bigode lembra numa postagem que hoje é o Dia Mundial do Escritor. 

Bem legal. Em julho tem o Dia Nacional, bem na véspera do meu aniversário. 

Passei um dia de escritor. Em silêncio.

Trabalhei. Escrevi para um livro.  

Vi um show dos Rolling Stones e o excelente programa Persona, em reprise com Ary Toledo - um artista gigantesco que os mais jovens não têm ideia. 

Não interajo muito com escritores. Na verdade, não interajo muito com todo mundo. Já fiz muito disso, agora é diferente. E escrever é necessariamente um exercício solitário.

Pela quantidade de pessoas com quem falei nos últimos 14 anos - milhares -, provavelmente muita gente gostou do que escrevi e sou grato por isso. Muito grato. Imagine, há 15 anos eu sonhava em ser um autor publicado, mas não tinha a menor chance de acontecer. Só que veio o inesperado e, entre parcerias e trabalhos solo, foram 40 livros. Pronto. Se no futuro existirem sebos, tenho chance da minha garrafinha jogada ao mar parar nas mãos de alguém, que poderá gostar ou detestar, até ser indiferente, mas eu nada saberei porque já estarei morto há muito tempo. E isso é bonito nos livros: a sintonia entre pessoas sem contato. Meus autores prediletos praticamente não me conheceram. 

Não lucrei nada, tenho lutado como um cão, cada dia é um dia, mas não seria honesto dizer que não fui feliz. Fui e muito. Por exemplo, eu gosto muito do meu time de futebol e escrevi 26 livros sobre ele, imagine. Quantas pessoas no mundo conseguiram fazer o mesmo por seus times? É muito difícil, então me realizei. E fora do futebol foi outro monte que muito me orgulha. Basicamente escrevo sobre o Rio, as ruas, os bairros que considero minhas casas, as pessoas humildes, meus poucos ídolos, meus amigos mortos, um ou outro amor. 

Tanto faz se é um, dois, cinco ou vinte livros: a emoção é a mesma. Um novo livro é sempre um coração batendo mais forte. Começa tudo de novo. 

Escrevi coisas que acho muito boas, outras boas e outras aceitáveis. O que faço é descrever o que vejo, sinto e penso. Muita gente chorou e me disse, outros riram muito. Os haters vociferaram sem ler, é claro. O fato é que não houve indiferença e isso é ótimo. 

Voltando ao meu time: será que, naquela noite de 1973, quando virei Fluminense por causa da palavra e do nome do Félix, já estava escrito que, um dia, eu escreveria sobre o Flu? Não sei, mas eu lembro direitinho daquela noite, hoje tão longe mas tão perto. Outra noite que lembro muito é a do famoso gol de barriga em 1995: ali eu mudei para sempre. 

Minha única tristeza é meus pais não terem visto esse trabalho, nem meu irmão. Eles batalharam para que eu pudesse estudar, se preocuparam comigo e nunca me patrulharam: confiaram em mim. Teria sido muito bom ter fotos deles com algum livro meu, mas tudo bem: não se pode vencer todas. 

"Agora é noite e o silêncio prevalece. 

Daqui a pouco o proletariado vai acordar, ainda no escuro, com suas lutas e marmitas, para a longa travessia ferroviária até a gare da Central do Brasil. 

Nas ruas, famintos sem casa vão virar a noite. É o medo do estupro ou de um assassinato horrível. Não devíamos aceitar que ninguém vivesse assim mas, numa sociedade marcada pela hipocrisia e indiferença, o que temos é o desprezo. 

Agora é noite, a semana invade o meio do mês e a ampulheta do ano está se esvaziando.

Perdemos homens admiráveis antes da hora, mas os medíocres continuam firmes. 

A corrupção e a hipocrisia estão de braços dados e dedo em riste. Somos uma grande Gotham City banhada pelo fascismo. Mas é preciso resistir.

Perto da janela, um vizinho ouve rádio e a voz de Renato Russo corta o silêncio: 'Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz.'

A noite de domingo mistura estranhamente solidão, saudade, melancolia e esperança. Quem vencerá?"

@p.r.andel

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