Wednesday, June 12, 2024

Ray

São três e meia da manhã, ou madrugada - ou qualquer coisa - enquanto meu peito explode e na TV há um furacão chamado Ray Charles. É um show, as pessoas aplaudem com entusiasmo, uma big band excelente acompanha o monstro da voz e ele não deixa pedra sobre pedra. Ray Charles está morto mas deixou lembranças vivas demais. Meus pais o adoravam e eu ouvi desde criança. Ah, meus pais inesquecíveis, completamente mortos e desconhecidos - mas me lembro deles sempre. Eu lembro da capa de um disco de Ray Charles quando nós morávamos na rua Santa Clara, há 50 anos, em 1974 - tudo agora faz 50 anos, tudo é breve. São três horas da manhã, três e meia, e preciso escrever algumas coisas para dormir. Há uma melancolia na madrugada quando vem chegando a quinta feira e a sexta a seguir - não era assim na minha juventude, claro, porque os jovens amam as sextas-feiras, virar a madrugada etc mas há tempos não sou disso - gosto de ver TV, falar com os colegas e namorar no WhatsApp. Eu gostava de acampar e ver o mar em dias nublados. Eu gostava de correr, voltar para casa, tomar uma ducha gelada e me sentir energizado - no começo da UERJ todo mundo estava cheio de sono e eu disparava a 100 quilômetros por hora. Faz muito tempo. De lá pra cá são trinta e tantos anos, muitos desapareceram, muita gente está morta. Eu deveria estar morrendo, mas vejo meus amigos de 70 e 80 anos cheios de saúde, fico pensando se terei sorte e permanecer por aqui - isso é sorte? Consegui um pouco. Ray Charles continua um trovão.

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