Friday, December 01, 2023

Short Cuts 3011

Passei pela Gomes Freire e espiei um botequim quase em frente à delegacia. 

À mesinha do lado de fora, um único senhor  com sua pacífica e solitária garrafa de cerveja.

Um senhor, bem mais senhor do que eu. Estou chegando aos sessenta (a conferir), ele tem perto de setenta. Sempre será um senhor, feito todos aqueles que vi em minha vida nos bares, feito aqueles admiráveis personagens que conheci no Sniff's e que agora estão quase todos mortos. 

Ele tem um silêncio e uma serenidade com seu olhar perdido na rua. O quanto tem vivido e sofrido? Será feliz? Eu também queria estar num bar olhando para o horizonte com serenidade, e é uma pena que minha vida esteja tão longe disso.

Eu pensava que um dia seria igual àqueles senhores que vi e conheci nos botequins. Uma coisa de bom humor e serenidade. São bens tão raros que consegui-los é benção. Um salariozinho para sobreviver, ter algum conforto, não precisar ter medo de morar na rua, poder comer um sanduíche de pernil numa boa. 

Um senhor sereno. Eu queria que fosse meu pai. Ser órfão é phoda, não importa a idade. 

Do outro lado da rua, na delegacia de polícia, tem um cartaz na parede denunciando uma milícia da região. Ninguém liga. 

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Diariamente.

Pessoas jovens e adultas andando com suas caixas de Mentos tentando vender, sem qualquer sucessos.

Olhares cansados e tristes.

Rostos chorosos nas calçadas.

Placas de vende-se e aluga-se em todas as quadras.

Pessoas cabisbaixas.

Promessas que não serão cumpridas.

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Numa sexta-feira meio nublada mas quente, penso em meus grandes companheiros mortos. 

Por não ter conhecido meus avós e tios, salvo uma vizinha e o avô de um amigo, só tive gente morta por perto depois dos 25 anos. 

Primeiro foi meu grande amigo Luiz Magno, o Loulou Lion, super baixista e piloto de helicóptero. Sou capaz de lembrar com exatidão a última noite que nos vimos. Eu voltava da faculdade quando o encontrei perto do Sniff's. Ele estava desesperado com a passagem recente de seu pai. Fomos para o corredor do seu prédio para conversar - ele tinha uma relação muito difícil com a mãe. Falamos de várias coisas, muitas coisas, éramos jovens adultos ainda tentando entender a desilusão do mundo. Lulu morreu um ano e meio depois. Soube chegando em casa, já exilado no Centro: minha mãe tinha ido a Copacabana, soube, voltou e chorava sem parar na sala. 

Lulu a chamava de mãe, assim como meu grande amigo Xuru, também falecido há 18 anos inacreditavelmente, também fazia. Minha mãe também se foi.

Já perto dos 30 e poucos anos, uma avalanche de gente morreu. Perdi tudo. Nunca mais me recuperei das perdas, tantas que foram. Então deixei de ser um escritor invisível e passei a publicar livros, dezenas deles. Alguns foram lidos por milhares de pessoas, outros por meia dúzia - provavelmente os melhores. Entendi que escrever já não era mais um hobby nem uma profissão pessimamente remunerada, mas talvez a única missão que posso cumprir com dignidade, enquanto ainda estou por aqui, nessa terra estranha e cheia de ingratidão. Agora mesmo, completamente dominado pela depressão, estou finalizando dois livros. É praticamente uma garantia de antídoto contra a morte. 

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Sinto falta de caminhar em Copacabana e no Centro. 

Falta de andar pelas ruas.

As da Grande Tijuca, quando eu era estudante. 

Ruas do Méier, procurando minhas musas da faculdade.

Ruas da Urca, charmosa e discreta. 

Há trinta anos já havia bastante violência, mas não se tinha medo de tomar facadas pelas ruas, nem de motociclistas, nem de ficar parado num ponto de ônibus. 

Havia medo, mas não o horror de agora. 

Sinto falta de caminhar e de voltar para casa com tranquilidade.

Aliás, tranquilidade é o bem mais raro. Nunca tive.

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