São dez da noite de sábado, antevéspera do Natal e sinal de fim do ano, tal como medimos pelo calendário.
Em nome da família e de Deus, fazem uma covardia sem dó no mundo, no país e no que sobrou dentre os escombros do Rio.
Shopping centers lotados porque é preciso comprar produtos, presentes, roupas novas, iPhones, calçados e, do lado de fora, garotos - quase todos pretos - oferecem balas para terem o que comer.
Numa cidade com milhares de unidades habitacionais fechadas, as pessoas sofrem com o despejo, a situação de rua e todas as suas decorrências.
Depois do ódio de janeiro a dezembro praticado nas redes sociais, nos ambientes acadêmicos, corporativos e diversos, então falamos de paz, de um mundo melhor, mas a verdade é que pouquíssima gente está realmente imbuída desse desejo e disposta a agir - de palavras ao vento, bastam as minhas.
Desde que eu era um garoto e ia ao açougue comprar carne moída para minha mãe fazer bolinhos com pão, salvo raros momentos, senti que houve alguma melhora. Falo de 1980, são mais de 40 anos. Coisas boas no governo do Brizola - que o povo ingrato fez questão de c$#g@r com o golpista Moreira Franco. E o segundo mandato do Lula, onde realmente os pobres, pobres mesmo, iam ao mercado comprar carne. E só. Aumentou o número de armas, de mortes violentas, do consumo de drogas pesadas (cocaína pra cima), tudo de ruim.
Em boa parte da cidade, a lei é da milícia e pronto. Sucessora de velhas atrocidades como Homens de Ouro, Scuderie Le Coq etc. Matam, estupram, humilham, agridem e o Estado nada faz, porque a milícia Ė o Estado. De tempos em tempos, a violência das zonas norte e oeste bate na sul, mas logo vem uma limpeza tapa-buraco.
Ok, depois das desgraças dos últimos anos, o emprego aumentou no Rio. Mas é precarizado? Os salários são achatados? Sem poder de compra o consumo é restrito e comprometedor do sistema. A maioria mal sobrevive, mas como parte da turma está no shopping numa boa, dane-se o resto.
Não precisa falar de racismo, etarismo, homofobia e gordofobia, né? Estão por toda parte, né? E também tem a turma que, sob a alegação destes males, procura criar outros. Oportunismo e cinismo definem.
Fique bem. Se cuida. É a maneira educada de dizer "te vira". Não é?
Vamos comprar os tubos de comida, encher a cara até cair, ficar muito loucos e depois poderemos xingar o mendigo que faz xixi no muro porque é "porco", não é verdade? Temos milhares de banheiros públicos, não é verdade?
A gente deixa a criança sofrer na rua, perder os pais, passar todas as humilhações e depois, quando ela vira adolescente e com violência, queremos que morra na cadeia. Não temos compromisso com justiça, apenas com vingança. Na véspera de Natal a gente dá uma boneca vagabunda, um bife com arroz e se orgulha do nosso grande feito social, esquecendo que as pessoas precisam comer diariamente.
Paz? Como se pode ter ter paz? É sério?
Lembram daquela conversa patife? "Depois da pandemia, voltaremos melhores, mais solidários". Permitam uma sonora gargalhada.
Para quem puder ter um Feliz Natal, meus parabéns e considerações. Não estou aqui para atrapalhar a festa de ninguém, apenas tentando mostrar por que eu não fico feliz neste momento. Eu tenho minúsculos momentos felizes quase todo dia, mas o que prevalece é a minha tristeza, porque lutei tanto, fiz tanto e não consegui ajudar a mudar a vida de tantos e tantos sofredores, inclusive eu mesmo, mas fracassei. Cansei.
Que as crianças bem criadas tenham um bom Natal e cresçam com valores de companheirismo e solidariedade, nem que parta das próprias. Infelizmente a maioria só apanha da vida. Sofre, sofre, sofre.
Sem espírito de equipe e coletividade, o mundo nunca deixará a escrotidão.
@p.r.andel
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