Tuesday, November 28, 2023

Em vão

A gente vai e vem. A gente é muito pequeno, minúsculo mesmo, diante do mundo, esse mundo tão cheio de tristeza e desilusão.

A gente é a nossa rua, a nossa vizinhança. Pais sortudos, que têm uma boa vida e são minoria, podem curtir a melhor coisa do mundo: seus filhos crianças. A maioria não consegue, mas pelo menos há momentos de amor. 

Num súbito, as crianças crescem, logo viram adultas - achando que isso é o máximo -, o tempo corre com velocidade supersônica e, quando se percebe, aquele menino já é avô, sentindo na pele a barra do etarismo. Quem é avô já não é mais neto nem filho: todos dizem adeus. E aí, justamente quando você está mais experiente, equilibrado e capacitado, te chamam de ultrapassado e o que sobra é o terço final de vida, quando muito.

Às vezes dá a sensação de que tudo é efêmero, que tudo é inútil, que perdemos tempo em busca de fama e poder em vão. Tudo passa. Tudo. 




Monday, November 27, 2023

Ah, Gabriel...

Sou fã de Peter Gabriel desde garoto. Ao contrário de 99% dos fãs do Genesis, eu prefiro PG em sua carreira solo, que considero das maiores da história da música, explorando novas sonoridades e incorporando elementos étnicos do mundo inteiro, mas o Genesis é o Genesis, eu reconheço. 

Também tem o seguinte: quando comecei ouvir a banda, Peter já tinha saído para a carreira solo. Eu comecei pelo Genesis já com Phil Collins nos vocais. Anos mais tarde é que retroagi aos álbuns da Era Gabriel. 

Bom, o fato é que nos anos 1980, PG ganhou o mundo de lavada com seu álbum “So”: fez os melhores clipes da época, como o do superhit “Sledgehammer”, lotou a grade da MTV e  foi um sucesso nas rádios do mundo inteiro. 

Justamente naquela época, após o primeiro Rock in Rio, a cidade virou referência para bandas de todas as partes. Antes, em 1988, Peter Gabriel se apresentou em São Paulo para um show da Anistia Internacional, ao lado de craques como Sting, Bruce Springsteen e outras feras. O Rio de Janeiro era um futuro palco óbvio, levou um tempo mas acabou acontecendo. Outubro de 1993, no maravilhoso Imperator no Méier. 

Naquele tempo eu era estudante da UERJ e já comecei a fazer meus planos para ir para o show. Juntar meu dinheirinho de estagiário para comprar ingresso. Vivíamos um paradoxo: enquanto eu sonhava com um emprego para ajudar minha família, sofríamos em casa com uma ação de despejo. A música, assim como o futebol, eram verdadeira morfina para mim. 

Peter Gabriel ia tocar no Imperator numa segunda-feira à noite, acho, provavelmente por ser a única data disponível num buraco de agenda entre shows pela América do Sul. O que importa é que seria maravilhoso vê-lo ao vivo, só que me aconteceu um problema inesperado: duas semanas antes da apresentação minha professora de Cálculo das Diferenças Finitas, a querida Mariluci, marcou uma prova decisiva para meus objetivos acadêmicos. Gelei. Não dava pra ir ao show, voltar de madrugada e fazer a prova. Meu sonho tinha ido pro buraco. 

Comecei a me consolar: o Rio já era um porto seguro para os artistas, eu ia perder aquela mas ele voltaria. Claro que voltaria. 

[Esperando aquele show há pelo menos dez anos…

Enfim, passou o final de semana, chegou o dia, a grande noite de segunda-feira e eu não ia para o show. Fiquei me preparando para a prova. Fiquei pensando em casa, estudei bastante, estava confirmado de certa forma, mas claro que minha cabeça estava no Imperator. Falo de 1993, um tempo sem vídeos, internet, nada. 

Na terça pela manhã, peguei meu ônibus 434, vou tranquilo para a UERJ bem cedinho, às 6 horas da manhã, com tempo suficiente para chegar com calma e me posicionar para a prova. 

Ao chegar no hall do sexto andar, vejo algumas movimentações. De repente, surge Madalena, grande secretária da faculdade e diz que não teremos mais prova,  já que a professora Mariluci não poderia comparecer por motivo de saúde. 

Me bateu mistura de tristeza, de raiva, de tudo que você pode imaginar. Claro, ninguém tem culpa de ficar doente, caso da professora, mas achei uma tremenda injustiça comigo. A turma da faculdade não entendeu direito, poucos sabiam quem era Peter Gabriel - a maioria estava ligada em axé music, grande sensação midiática daquele momento. Fui para a varandinha sozinho e provavelmente chorei. 

Ficou uma lacuna para sempre. Peter Gabriel nunca mais se apresentou no Rio. Um mês depois, mudei de Copacabana contra a vontade. Que porradas! 

Trinta anos depois, não tenho nenhuma chance de morar no meu bairro eterno, mas pelo menos a internet ajuda: Peter Gabriel está lançando um novo álbum, “I/O”, e lançou as faixas no Instagram. Dá pra ver tudo. São outros tempos, há algum consolo. 


Sunday, November 26, 2023

Ingressos caríssimos

O assunto é antigo e tem muitas vertentes, mas uma coisa é certa: ir a shows internacionais ultimamente exige a venda de um rim para se pagar um ingresso no Rio. Tá caro. Tá caro demais. 

Dia desses falei aqui sobre o Kiss. Em pouco tempo na adolescência consegui ir a vários shows espetaculares, sendo um garoto pobre e não precisando juntar um ano de mesada. Alguns deles: James Taylor em 1986, The Cure em 1987; Paul McCartney, David Bowie e Eric Clapton em 1980. Ok, dei sorte em alguns: o Metallica em 1989 eu ganhei do meu amigo Zé Maconheiro - que jamais fumou maconha, apesar do apelido, porque a namorada dele não queria ir. Em 1990, ganhei o ingresso do Hollywood Rock na rádio, por sorteio: Margareth Menezes (crush!), Eurythmics e… ninguém menos do que Bob Dylan. Nota relevante: gostaria de ter ido ao Motorhead em 1989, mas certa prudência me salvou daquilo que provavelmente foi a maior porradaria da história do Rio de Janeiro - isso enquanto Lemmy sentava a mão, ou diria nosso eterno Monsieur Limá: “O couro come”.

Resumindo: com uns tostões, dava pra ir numa boa aos shows internacionais. Claro, economizando e sem pensar em bebida, comida etc. 

Acho que o primeiro show estrangeiro que considerei caro foi o dos Stones em 1995, mas aí foi um acontecimento mundial, primeira vez no Brasil, no Maracanã e tal. Acho que foi 50 reais se não me engano. O dólar estava em torno de 0,84 real, caso raríssimo. O desemprego comia solto, mas o país começava a colocar as coisas no lugar. Comprei uma arquibancada. Para minha sorte, outra namorada salvou minha vida: a do Luizinho, que não quis ir ao show(!) e então ganhei um lindo ingresso de pista para ver os Stones de pertinho, enquanto celebridades como Fausto Fawcett, Guilherme Fontes e Cláudia Abreu se esbaldavam no gramado imortal do Maracanã. Ah, antes dos Stones, também fui numa boa ao Jethro Tull no Canecão, totalmente acessível.

Antes da pandemia, foi bem razoável ver Steve Vai no Rio Jazz Montreux, no porto. Excelente mesmo. Acho que cento e pouco. Ok, qualquer trio Big Bob custa quarenta pratas, mas estamos falando de ingressos que, em dois ou três anos, aumentaram 300 ou 400%. Aqui está o Beck, fantástico, que vai se apresentar no Vivo Rio: pista VIP(?) a setecentos mangos e, para os menos nobres, pista “comum” a quinhentos. Outro dia o Glenn Hughes tocou no Centro do Rio com ingressos, digamos, promocionais: você botava um quilo de alimento não perecível, mais a incrível taxa de conveniência e pagava “apenas” trezentas pratas. Não dá pra botar a culpa na meia entrada somente. 

Menos mal que muitos artistas nacionais têm feito shows acessíveis mesmo, dez ou cinco mangos. No eterno Teatro João Caetano é assim: acabaram de tocar juntos Biafra, Dalto e Nico Rezende com inteira a dez reais. No Sesc há grandes ofertas. Tomara que acabem as obras intermináveis do Teatro Carlos Gomes e da Sala Sidney Miller, cujas histórias de grandes apresentações populares são riquíssimas. Tem o teatro do Sesi também. Vamos prestigiar os músicos brasileiros, porque o preço dos estrangeiros não permite sequer ficar espiando do lado de fora...

Friday, November 24, 2023

Sobre Minelli

E OUTROS GIGANTES À BEIRA DO GRAMADO 


Morreu Rubens Minelli. Teve uma vida longa e feliz. Viveu e construiu muito. 

Foi um dos maiores treinadores da história do futebol brasileiro. Conseguiu ser tricampeão nacional na acepção da palavra, assim como seu pupilo Muricy Ramalho também faria três décadas depois. 

Num país marcado pelo etarismo, salvo as manchetes esportivas, a repercussão da morte de Minelli foi a esperada, e bem menor do que seu tamanho colossal. Ele promoveu uma verdadeira revolução nos anos 1970 com o espetacular Internacional de Porto Alegre 1975/76, que aliava talento, força física e disciplina tática de maneira impecável. Muito provavelmente é o maior Inter da história e um dos maiores esquadrões de todos os tempos. 

A morte de Minelli ajuda a lembrar de outros grandes nomes à beira do gramado. De sua época e mais antigos. São muitos nomes, mas podemos falar de alguns numa lista que passa por Ênio Andrade, Carlos Froner, Evaristo de Macedo, Oswaldo Brandão, Lula, Oto Glória, Paulinho de Almeida, Orlando Fantoni e recua até Martim Francisco e Gentil Cardoso, Zezé e Aimoré Moreira. 

Carlos Alberto Silva, Carlos Alberto Parreira, Procópio Cardoso, Cláudio Coutinho, José Teixeira, Zé Duarte, Cilinho, Zagallo, tanta gente. Telê Santana, eterno! Mário Travaglini, Didi, Paulo Emílio.

Nos anos 1980, tivemos Nelsinho Rosa, Carlinhos, Carpeggiani, Abel, Joel Santana, Edu, Jair Pereira, Valdir Espinosa. Nos anos 1990, a nova onda de treinadores surgiu com os nomes de Vanderlei Luxemburgo, Luiz Felipe Scolari, Nelsinho Baptista, Jair Picerni, Celso Roth. Mais tarde, Oswaldo de Oliveira, Tite, Muricy, Mano Menezes, Leão, Cuca. 

Depois de certo tempo, com muitos maneirismos e vocabulário pernóstico, aos setores gomalinados da imprensa esportiva decretaram o fim da utilidade dos treinadores brasileiros. Todos passaram a ser incompetentes e, em especial, ultrapassados se tivessem mais de 65 anos de idade. O futuro tático estava na escola portuguesa mas, até aqui, poucos realmente vingaram. Basicamente o bom Abel Ferreira. Não era incomum ver grandes treinadores brasileiros sendo ridicularizados na TV, mesmo com currículos gigantescos. Aliás, infelizmente não é. 

Certamente o nosso futebol tem inúmeros problemas, mas será que o problema era só dos treinadores daqui? Tudo indica que não. O excelente Dorival Júnior, sobrinho do eterno Dudu, ganhou a Copa do Brasil neste 2023. Embora escorregue na Seleção, Fernando Diniz conquistou a Libertadores há 20 dias. 

Na despedida do gigantesco Rubens Minelli, depois de uma longa e maravilhosa trajetória, a maior lição deste 24 de novembro é pensar que sim, o nosso futebol foi construído às custas de grandes dribles, passes precisos e lances desconcertantes, mas também de muita gente boa que, à beira do campo, escreveu grandes roteiros. 

Especialmente com os veteranos, não se trata de louvá-los de graça nem achá-los santos, porque não são, mas respeitá-los já seria um bom começo. Por mais que tenham feito fama e fortuna, são seres humanos que merecem tratamento digno, o que nem sempre acontece em estúdios e redações. Contudo, é justo registrar quando o respeito acontece, e foi exatamente o caso desta tarde de sexta-feira no SporTV, com André Rizek e Paulo César Vasconcellos, falando com muita propriedade sobre a perversidade etarista contra treinadores de futebol. 

@pauloandel

Escolhas?

Dotados de certezas plenas, os idiotas despejam: você faz suas escolhas. Como se assim sempre fosse. 

Basta olhar o mundo, as coisas e as desilusões para saber que a maioria não escolhe absolutamente nada. 

Quando muito, consegue evitar o pior e fica com o ruim. 

Escolhas, escolhas, escolhas...

Quem escolhe dormir ao relento se esgueirando de ratos e merda, fugindo da morte? 

Quem escolhe a miséria como prazer? 

Escolhas, escolhas...

Quem escolhe a dor, a fome, a guerra para si mesmo, o ódio e a morte? 

Esta é uma cidade com milhões de luzinhas sobre os morros quando a noite vem, e cada pequena luz conta uma história de sofrimento.

Mas os idiotas são persistentes: você fez suas escolhas. 

São tão calhordas quanto os herdeiros que espumam baba pela meritocracia. 

Esta é uma cidade triste, cheia de ódio, crimes e violências diversas, cheia de fome e indiferença. O que lhe salva é seu lindo corpo, sua geografia.

O único consolo é que, entre hipócritas e indiferentes, entre falsos e arrogantes, entre escroques e egoístas, ninguém escapará da única sentença que lhes soa digna: a morte.

Implacável, assim como ela destrói sonhos, inocentes e esperanças, também o fará com os escroques. 

Afinal, tudo é efêmero.

@p.r.andel

Thursday, November 23, 2023

Gols 1979

Um calor aterrorizante à tarde, eu de repouso e remédio. Então resolvi me distrair um pouco e espiar futebol antigo no YouTube, uma das melhores coisas do mundo pra mim. 

Mal começo a procurar, surge um vídeo de nome sugestivo: “Gols 1979”. O que será? Vambora.

De cara, Léo Batista. Logo, o melhor da nossa memória televisiva de futebol. Telão verde do Globo Esporte e Luciano do Valle de camisa florida e lenço, estilo Dancing Days! 

Gols, gols, gols no Maracanã vazio e cheio, gols em Ítalo Del Cima e São Januário, gols em clássicos, gols em Marechal Hermes. É o futebol carioca no ano de 1979, o primeiro que acompanhei como um torcedor mirim mesmo, de ler notícias e escutar os jogos. 

Wendell numa partida, Renato em outra, os dois goleirões do Fluminense em crise, indo para três anos sem títulos. O garoto Edevaldo, o garoto fenomenal Edinho. Nunes fazendo muitos gols com Fumanchu do lado.

Mendonça com suas jogadas espetaculares, Búfalo Gil chutando e cabeceando, o espetacular Luisinho Lemos metendo gols vestido de branco e preto. 

Júnior, Toninho, Carpeggiani, Adílio, Zico, Tita e Uri Geller. Paulinho, Guina, Wilsinho, Roberto e Catinha. 

País, Uchoa, Alex, Geraldo e Álvaro. Já tinha o Nelson Borges e o Porto Real? Nedo, tinha. Carlos Silva também? Silvinho, lógico. O velho America. 

Nos clássicos, cento e trinta mil pessoas. Nas partidas corriqueiras, três mil. Não importa: o Maracanã tem sua realeza visível à tela. Na beira do campo? Claudio Coutinho, Joel Martins, Zé Duarte, Sebastião Araújo, Oto Glória, o sensacional Velha. 

[As vozes clássicas de Léo Batista e Luciano do Valle são a moldura permanente das imagens.

Maravilhosos vilões especialmente convidados e que quase sempre davam trabalho: o Campusca, o São Cri Cri, o Bonsuça, a Lusa, o Cano. O Goyta também. O Madura também. 

Há meio século navego pelo futebol. Ultimamente ando feliz a valer, meu Fluminense foi campeão da Libertadores. É maravilhoso. Agora, encontrar vídeos como “Gols 1979” é trazer a minha infância de volta, é refazer um possível futuro. Passo o link pra vários amigos, converso com o Sérgio Pugliese e lembramos momentos espetaculares de nossas vidas. 

Juntar moeda pra comprar botão de galalite e figurinha do Futebol Cards, sonhar em comprar um escudo bordado da Kayat Esportes, esperar a folga para jogar pelada na areia e tentar imitar todas aquelas feras que a gente via nos jogos. Daqui a pouco faz cinquenta anos, mas é algo tão vivo que parece da semana passada. 

Falei de Helinho, Lito, Dário, Zezé, Júnior Brasília e outros? Não, né? Nem dos goleiros Ernâni e Jurandir, dos atacantes Mário e César, do Borrachinha e do Silva. Tem muito mais.

Obrigado por tudo, YouTube.

@p.r.andel

Wednesday, November 22, 2023

Às vezes II

Obrigado. 

Bom dia. 

Como vai?

Você está bem? 

Precisa de alguma coisa? 

Às vezes é só uma palavra. Uma conversa. Mas boa parte das pessoas só pensa em dinheiro e, por isso, mesmo vendo que você está mal, evita fazer perguntas ou puxar algum assunto por puro medo de receber algum pedido.

Nós ouvimos o dia inteiro o nome de Deus, porque ele é a justificativa para todos os males segundo os escroques. Tem idiota que diz que a desigualdade no mundo é porque "Deus quer". 

Repare que nos seus piores momentos, ninguém ou quase ninguém te estenderá a mão. Alguns serão suficientemente escrotos para dizer que realmente não vão te ajudar, inclusive com desculpas estapafúrdias. A maioria, covarde, simplesmente ficará em silêncio. Os mais crápulas vão dizer que seus problemas são falta de Deus, tentando te rebocar para alguma religião como se fosse um crédito bancário - e às vezes é. 

Boa parte de toda a merda que vemos no mundo inteiro é consequência direta do egoísmo, da indiferença e da incapacidade de muitos em enxergar a opressão. Às vezes pode ser cinismo mesmo: enxergam e deixa rolar.

O mundo tem coisas maravilhosas, só que 99,9999999% das pessoas não podem aproveitá-las, porque são submetidas à escravidão travestida de liberdade. Quase ninguém tem dinheiro, quem tem algum não tem tempo. 

Ainda bem que existe o entretenimento. O futebol, a TV, o Carnaval, os livros e discos. Se não fosse isso, a vida seria ainda muito pior, embora outro grande contingente também não tenha direito a nada. 


Às vezes

Nem sempre é simples ter paciência com grosseria, estupidez, indiferença, dor, dívidas, atrasos, falta de iniciativa e congêneres.

Uma hora dá no saco. 

E dá vontade de mandar um foda-se bem grande intenso para quem merecer: tem fila. 

Uma hora o saco fica cheio demais e depois os outros acham que você é o grosso ou o impaciente. Falta de noção extrema. 

Às vezes dá vontade de jogar tudo fora, porque no fim tudo é inútil e a maioria trata os outros como um produto descartável, nada além disso. 

Um dia você se toca de que dá muito mais do que recebe e se toca de que quase ninguém merece isso, seja em que relação for.

E que vários dos seus amigos só são amigos quando precisam de alguma coisa. Ou seja, não são amigos porra nenhuma.

Se os teus amigos são assim, imagine os idiotas que viraram teus "amigos" nas redes sociais e só aparecem para escrever merda nas tuas postagens? 

Quase tudo é inútil: lutar para sobreviver, numa vida de merda, à base de migalhas, até perder todas as pessoas queridas, envelhecer e morrer. Aí pode ser que alguém te chame de boa pessoa no Facebook. Um ou outro lamentará e dois ou três dias depois ninguém mais liga, porque somos uma sociedade mundial de merda, escrota, egoísta, ignorante e chinfrim ao extremo. 

Os jovens morrem antes da hora, os pobres são humilhados, os ricos mandam um dedão, a maioria só trabalha e dorme, muita gente mal consegue comer em lindos países de geografia deslumbrante. 

Uma hora essa merda toda explode. 

Monday, November 20, 2023

O fim do Kiss


Tudo passa. Só o Fluminense jamais passará. Mas taí: o Kiss vai acabar. Não como indústria, claro, mas como a banda que dá as cartas nos palcos há meio século.

Foi minha estreia em grandes shows de rock. E que estreia: o Maracanã abarrotado de gente, velhinhas do lado de fora tentando impedir a nossa entrada - uma delas, tadinha, pegou no meu braço e não me largava, até que virei um cabo de guerra humano e meus amigos levaram a melhor. Do lado de fora espalhavam em cartazes que o Kiss na verdade era "Knights In Satan's Service", Cavaleiros a Serviço de Satã. Anos depois eu diria que no máximo chamariam a atenção de Madame Satã pelo glamour...

Máquina de fazer dinheiro, império do entretenimento, digam o que disserem: o sucesso cinquentenário do Kiss vem de seu talento, pouco importando os erros que a banda cometeu ao longo do tempo, como qualquer outra. Paul Stanley é um dos maiores cantores do rock em todos os tempos, embora não soe aos 72 anos do mesmo jeito que aos 21 ou 35, tal como qualquer ser humano - é sempre uma ladainha, "Ah, o Ian Gillan não canta como há 50 anos", dai-me paciência. Gene Simmons é um tremendo baixista e a banda sempre foi ousada. Acertou muito, também errou, mas sempre arriscou e, por isso, cumpriu sua missão artística.

Antes do Kiss, eu ouvia Genesis e Police. Um pouco do Van Halen. O show do Maracanã foi uma espécie de sinal de alerta para o que viria a seguir: Rock In Rio, Hollywood Rock, outros grandes shows no maior estádio do mundo. Em 1984 meu pai me deu de presente uma fita cassete do Jethro Tull, "Aqualung", e outra do Pink Floyd, "The Wall". Misturando isso tudo à bossa nova, que eu já adorava, à MPB que eu ouvia em rádio e o pop anglo-americano, formou-se o meu amálgama musical que continua crescendo até hoje. Ouço de tudo: de música popular paquistanesa às novas tendências rock de Vladivostok. 

Ainda o Kiss: em certa ocasião, quando eu tinha um sebo na Gomes Carneiro, apareceu o BNegão por lá. Coisa de 2003. Gente fina à beça, passou horas escolhendo LPs. Na hora de embrulhar, vi que tinha vários do Kiss e ri, por gostar também. BNegão, sem saber, disse: “Pô, eu vi que você riu dos discos do Kiss, mas eu me amarro na banda e tal”. Aí falei pra ele sobre o show do Maracanã e conversamos por mais de uma hora. 

Não fui ao primeiro Rock in Rio por falta de grana e pela distância, mas num período de cinco anos eu já tinha visto James Taylor (na Apoteose), The Cure (no Maracanãzinho), Eric Clapton, Paul McCartney, David Bowie e os nacionais Paralamas, Titãs (trocentas vezes), Barão Vermelho, a Legião Urbana, Ira! e grande elenco, sem contar as grandes apresentações gratuitas no Parque Garota do Arpoador: Raphael Rabello, Armandinho, Adriana Calcanhotto, Tim Maia, Francis Hime. Eu já gostava bastante de ouvir música, mas foi o Kiss que me jogou no voo livre dos grandes shows, no que sou muito grato. 

Paul Stanley foi um dos maiores cantores dos últimos 50 anos. Merece respeito para sempre. O Kiss pode acabar, mas eu não vou parar de escutar pelo resto da minha vida. 

@p.r.andel

Saturday, November 18, 2023

Orla

Antigamente eu gostava de ir à praia, bem cedinho feito agora. Dava para ouvir todos os sons do mar, se refrescar e experimentar a doce solidão diante da natureza. Ainda gosto da praia, meu problema é com o calor enlouquecedor, com queimar a pele e me sentir bem mal. Não consigo mais, mas adorava. 

O mar é apaixonante, a praia também, mas prefiro sem sol. Pra mim, claro: eu sei que quase todos querem se queimar e compreendo. Só não serve pra mim. Mas tenho saudade daquele silêncio matinal de Copacabana, com quase ninguém na areia, a água geladíssima que parecia energizada. Já gostava disso com 13 anos de idade, sempre fui meio off de algum jeito. 

Depois, a corrida. Demorei a gostar e praticar, mas quando gostei... Eu praticava vários esportes com bola e achava suficiente, mas as cobranças da adolescência vieram e eu precisava ser menos gordinho para atender às exigências de não sei quem. Rapidamente perdi 15 kg e comecei a treinar feito um louco. O futebol é uma parte muito importante da minha vida, maravilhosa, mas posso dizer que alguns dos meus melhores momentos no esporte foram correndo. E quando você treina vendo o Oceano Atlântico, tudo melhora. Naquele tempo eu tinha recomeçado a faculdade: corria, tomava banho, pegava o ônibus e chegava na aula a 300 km/h. O pessoal ficava atônito comigo. 

Foi uma pena que minha vida de atleta tenha se encerrado tão cedo por problemas de saúde. É uma das poucas coisas que realmente lamento, mas sinceramente eu não mexeria no roteiro original. Foi o que tinha que ser. All things must pass. A tristeza foi sendo trocada aos poucos pela observação e eu, que já gostava muito de música, mergulhei em outros interesses artísticos até que anos depois assumi a persona de escritor, poeta, cronista ou talvez isso tudo junto. A corrida e os livros cairiam muito bem juntos, mas de longe eu continuo a espiar os trajetos solitários de homens e mulheres com seus tênis e disposição. 

Nem são sete horas da manhã de sábado. Há quarenta anos, eu já teria passado pela padaria, traçado um pão de queijo e estaria a caminho do mar de Copacabana, preferencialmente na Figueiredo Magalhães ou no Posto Seis. Agora, não: é só um calor enorme, banho frio, Renitec, ventilador e a (ainda) estranha  sensação de ter acabado meus dois livros, prontos e a caminho da gráfica. Pensando bem, outras coisas também mudaram pra pior mas deixa pra lá: não se pode ganhar todas. 

Relembrando o futebol: partidaços na areia, campo do Juventus ou Bairro Peixoto. Disputas de dupla de praia à noite, golzinho, de fora. Cobranças de falta, de escanteio. A bola se espatifando no travessão. O voo solitário do goleiro. 

Que muitos tenham um bom sábado. A maioria não terá porque sofre naturalmente. Isso é a vida. Vida. 


Wednesday, November 15, 2023

Os garotinhos da Uruguaiana

Há muitos anos, quando eu nem sonhava em escrever publicamente, meu passatempo era andar pelas ruas do Centro do Rio sempre que tinha alguma folga do trabalho.

Na esquina de Carioca com Uruguaiana ficava uma loja tradicional do Ponto Frio Bonzão. Durante um certo tempo eu espiava as vitrines porque precisava de uma televisão e de um aparelho para tocar CDs. Finalmente consegui a grana e comprei uma TV bem bonita para minha mãe, ela ficou bem feliz e eu queria ver todos os jogos de futebol possíveis. 

Depois reparei a loja noutras vezes, muitas, e percebi quantos garotinhos ficavam ali olhando as telas das TVs ligadas. Eles tinham caixas de balas, caixas de engraxate e, às vezes, nada além da esperança. Ficavam hipnotizados com os desenhos animados que lhes serviam de única alegria do dia, talvez. Muitas e muitas vezes. O pessoal da loja era gentil e deixava as TVs nos desenhos, só para que os garotinhos pudessem se distrair. Bom, falo de 29, 28 ou 25 anos atrás. 

Terça passada, eu voltava com o Diniz da Leiteria Mineira. Passamos pelo Largo da Carioca, vazio e calorento. Num instante, olhei para a esquina e lá estava o que sobrou daquele tempo: a loja fechada, as vitrines debaixo das portas de ferro, sequer uma esperança de anúncio de aluguel. Acabou. Morreu. 

Daqueles garotinhos que tinham o mundo menos amargo por causa dos desenhos animados, quem chegou até aqui? Quem conseguiu superar a miséria? Quem realmente sobreviveu e está bem? São rostos que lembro sem detalhes, olhares afetuosos que o tempo levou, garotinhos magros e muitas vezes descalços ou com chinelos gastos. Sempre me senti triste por eles. Quando fiquei sem uma televisão, já podia trabalhar e comprar uma depois de alguns meses. Meus pais fizeram tudo que podiam por mim, então sobrevivi bem por conta deles, do esforço deles. Tive boa cama, comida, brinquedos, botões e o que faltou não fez falta. E queria que eles tivessem tudo também. Quantas vezes eu matei aula só para ver desenhos animados com minha mãe em casa? Muitas. 

De lá para cá, vivi muitas injustiças, traições e golpes, falsidades e injustiças. Perdi minha família e minha órbita, mas me recobrei a tempo e fiz o que fazia quando eu mesmo era um garotinho: juntar pessoas, ajudar o próximo e, sempre que possível, fazer o bem - não basta ser apenas bonzinho. Desde então, tenho vivido modestamente, mas com algumas realizações pessoais que simplesmente o dinheiro não compra. Já sofro os efeitos do etarismo e, se muitas pessoas estivessem no meu lugar durante essa travessia, provavelmente não teriam aguentado. Gente que se acha muito poderosa não aguentaria 5%.

Na esquina famosa, havia apenas um silêncio frio contrastando com a manhã calorenta. Um silêncio vazio, uma ausência e a certeza de que hoje é um novo tempo, bem mais cruel do que já foi antes. Difícil imaginar que, um dia, aquela loja fecharia para sempre. 

Estou aqui. Luto. Sofro. Choro. Às vezes rio. Construo algumas coisas belas mesmo com um revólver apontado contra mim 24 horas - e desde já ofereço meu profundo desprezo aos que me ofereceram cara de paisagem em meus piores dias. Mas estão rolando os dados e amanhã tudo pode mudar. Há muito a ser feito, resta saber se dará tempo. Enquanto isso, em minha bela TV, nesse exato momento bandidos estão se matando na novela por dinheiro. Quase uma metáfora da vida cotidiana. 

As poucas lojas de eletrodomésticos que sobreviveram na Uruguaiana não têm TVs ligadas em desenhos animados. 

As crianças continuam sofrendo no Centro. Pagam a pena pelo crime de existirem, com todo o absurdo que isso significa. 

Para quem é possível, boa noite.

Sunday, November 12, 2023

Sobre nossas cantoras

Nossas cantoras brasileiras tiram onda. 

É fato: o Brasil tem uma riqueza musical arrebatadora e reconhecida no mundo inteiro. Vale para cantores, instrumentistas e compositores. Agora, quando as cantoras brasileiras estão em campo, meu amigo, não tem para ninguém. 

Caso da semana que passou. Por sorte descobri que a espetacular Virgínia Rodrigues faria uma apresentação na Biblioteca Parque, bem no coração do centro do Rio, gratuitamente. De imediato avisei meu amigo Edgard e partimos para lá, ele com sua esposa e uma amiga. 

Muito menos conhecida do que deveria ser no Brasil, Virginia é uma espécie de deusa afro, uma verdadeira entidade que, quando adentra o palco, toma atenção de todas as pessoas, sem piedade. Sua negritude, sua postura de realeza afro e o principal, sua voz incomparável, arrebatam qualquer pessoa. Não é à toa que ela já fez várias turnês internacionais e é reconhecida em todo o planeta. 

Dentro das possibilidades, o teatro da Biblioteca Parque ficou lotado. Que show espetacular meus amigos! A percussão, o violoncelo, a voz de Virgínia numa fase esplendorosa, uma coisa maravilhosa e de graça para as pessoas, em horário acessível. Virgínia está lançando um trabalho novo nas plataformas digitais. Eu, que sou adepto do bom e velho CD, tenho todos os discos dessa maravilhosa cantora. 

No domingo à tarde, descansando depois da festa do Fluzão campeão, dando uma espiada no festival Rock da Montanha pela TV, me deparo com minha eterna crush e atual ministra Margareth Menezes. Outra deusa afro, né? Aquela mistura de Brasil e África para deixar Peter Gabriel louco, os sopros, a voz e a personalidade única de Margareth compõem um show para levantar as pessoas, tanto que a plateia não parou nem um pouquinho durante sua apresentação. 

Margareth é assim desde sempre. Eu me lembro de tê-la visto no Hollywood Rock 1993, abrindo uma noite que tinha os excelentes Eurythmics e ninguém menos do que Mr. Bob Dylan.  Desde então, é outra das nossas cantoras com muitas turnês internacionais. 

Então fui dar uma espiada no jogo do Botafogo para dar uma força, não adiantou muito mas eles conseguiram o empate, e então volto para o Multishow, onde encontro ninguém menos do que Maria Bethânia cantando para outra multidão no mesmo festival. 

É difícil falar de uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos sem ser redundante, mas é que o fato é, perto dos 80 anos, Bethânia é arrebatadora. Seu show continua visceral, teatral, e a sua presença magnética de palco realmente deixa todo mundo enfeitiçado. É um orgulho tê-la como uma das nossas grandes representantes da arte brasileira por tanto tempo, e por fazer um trabalho tão rico. 

Nossas cantoras brasileiras muitas vezes foram formadas pelo canto popular, pelo cancioneiro do povo, e seguiram a trilha de outras grandes cantoras que já não estão mais aqui, mas que fizeram longo da história da trajetória brasileira, seja em priscas eras do rádio e mesmo na televisão. Nossas cantoras vêm de uma longa e maravilhosa história.