Houve um tempo da minha vida em que dei aulas particulares. Uns dois anos mais ou menos. De Estatística.
Nunca me considerei um professor. Não tinha formação para aquilo, mas dominava bem o assunto e de modo a torná-lo acessível. Acabei fazendo sucesso no boca a boca e tive a ideia de cobrar barato por cabeça, para grupos de quatro ou cinco estudantes. Eles pagavam barato, eu ganhava mais. E me divertia com aquilo. As garotas da Psicologia me adoravam. A UERJ era o mundo, ainda é para quem sabe aproveitar.
Um belo dia, uma ex-professora minha, acostumada a estorricar os alunos dos outros institutos, se viu diante de um monte de notas boas. Descobriu que a turma estudou comigo.
"Pra que vocês estão pagando aula particular se no sexto andar tem monitoria de graça?"
"Eu pago porque a aula do Paulo é dez vezes melhor do que a da sua monitora, professora..."
(gasp)
Dias depois, a jovem mestra me encontrou toda sorridente na Matemática.
"Oi, Paulo! Fiquei sabendo que o pessoal da Psicologia andou estudando com você."
"Claro, claro, tanto que você recomendou que eles não me pagassem aulas. Muito obrigado pela propaganda gratuita."
(Ela não sabia onde enfiar a cara)
Mais outros dias, tou com minha crush no elevador e a professora surge de algum andar.
Do nada, vem a seguinte pérola: "Não da bola pro Paulo não, ele é muito feio pra você".
"Tá com ciúmes?"
(Ela não sabia onde enfiar a cara)
(Quando me deu aulas no segundo período, cansou de dizer para a turma que eu era a cara do seu marido...).
Nunca mais a vi. Vai fazer trinta anos.
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Cheguei a um inacreditável índice de 95% dos alunos particulares. Aquilo dobrava a minha renda, mas cansava. Toma ônibus de um lado pro outro. Toma trem. Finalmente consegui um emprego decente $ e resolvi parar. Me desmotivei com o mestrado sem bolsa também.
Meu último aluno era um rapaz esforçado, mas estava no terceiro período e não conseguia fazer as operações triviais de calculadora. Dei três aulas, não cobrei nada, senti que ali eu não venceria. Recomendei a ele que estudasse mais, abdicasse da prova e refizesse a disciplina. Ele não ficou feliz, mas fui sincero. Seria fácil tirar dinheiro de um jovem trabalhador, mas aos 24 anos eu já sabia que isso era inadmissível.
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A força da música é um negócio. Naquele tempo todo mundo ouvia Genesis ao vivo na rádio, superbanda que infelizmente acabou.
"The sound of your Voice calling..."
Tocava daquele jeito do mesmo tempo que acontece exatamente agora aqui no trabalho.
Lá se foram trinta anos. Trinta anos. Daquele tempo praticamente não há sobreviventes do convívio, no máximo um ou outro WhatsApp.
Melhor assim.
Nada de mexer em belas histórias.
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